quarta-feira, maio 03, 2006

Equívocos... de novo.


Padre Eustáquio ou o terceiro Padre Jerónimo

Volto ao tema, não pela importância do areópago, mas pela imagem que nele se pretende dar de uma fé que, afinal, por muito que pareça a da Igreja, para quem tem as ideias arrumadas, não passa de uma grosseira caricatura dela.
O Padre Jerónimo e os parentes, ou seja toda a família de Joana e Rodrigo, para defender as aparências, continuam a enredar-se numa série de mentiras, que, só não conduzirão a tragédias maiores se o autor do guião inventar mais algum deus ex machina, como é hábito no mundo das telenovelas.
Mas o mais grave é que nos estão a querer dizer que a teoria da dupla verdade, tão fascinante para os escolásticos da linha aristotélico-islâmica, não só é verdadeira, como será a única saída para determinados conflitos de consciência, onde a razão se oporia de tal modo à fé, que teríamos de escolher entre as duas… naturalmente com detrimento da fé. Isto é: teríamos dois padres Jerónimo em conflito insanável: o tio e o crente; como se a fé não tivesse capacidade para acompanhar o tio até ao fim dos seus sentimentos, sem dramos de consciência.
Seria preciso inventar um outro padre Jerónimo, que, obviamente não interessa ao público consumidor da maioria dos programas das nossas televisões, nem às ideologias anti-cristãs que abundam por aí.
Foi por isso que me decidi a resumir, para quem queira tomar dela conhecimento, a dolorosíssima experiência por que passou um sacerdote meu amigo, que autorizou a falar dela, ainda que usando um nome fictício. Alguns poderão achar que as diferenças entre um caso e outro permitem pensar que a situação do padre Jerónimo é mais complicada: talvez tenham razão. No entanto, se nos queremos manter no quadro da pretensa incompatibilidade entre duas verdades, parece-me precisamente o contrário.
Naquele ano, em plenas festas natalícias, procurando na sua fé a força necessária para acompanhar os parentes num drama que, no seu caso, ia muito para além do quadro familiar, o Padre Eustáquio, que a sobrinha teimou em ter junto dos pais naquele momento, ouviu da médica assistente a informação de que ela estava grávida e queria abortar. De acordo com a lei, apesar de a grávida ser já de idade maior, uma vez que estava sob custódia dos pais, exigia-se que pelo menos não se opusessem.
Não interessa o resto do discurso.
Informa-se apenas que os pais aceitaram a decisão da filha, guardando para o momento em que se encontraram sozinhos a explosão das lágrimas e da revolta contra o que reputavam de crime horrível – palavras da mãe -, interpretando o silêncio do parente sacerdote como afirmação de que podiam contar com a sua solidariedade: E perceberam também que ele sofria talvez mais do que eles, mas que, ao contrário do que havia sido insinuado à filha, antes da revelação do terrível segredo, encontrava na sua fé algo mais do que a palavra pecado, para enfrentar situações como esta.
Dois dias depois, padre Eustáquio, à sobrinha que se despede pedindo que não lhe levasse mal o que ia fazer, responde com um beijo demorado na testa: ele queria que ela percebesse que não estava de acordo, mas que não lhe competia julgar fosse quem fosse; e que, mais do que qualquer outra pessoa, em circunstâncias idênticas, uma sobrinha, não podia deixar de ter um lugar especial nas suas orações.
Não se falou mais no assunto.
Para o padre Eustáquio teia sido mais reconfortante ajudar a sobrinha a manter a gravidez até ao fim, mesmo que a família estivesse toda em desacordo, que não era o caso.
Quanto ao padre Jerónimo, da nossa telenovela, não se vê onde está o conflito de consciência. Ele devia saber que há direitos inalienáveis: o primeiro de todos é o de viver, quando se recebeu o dom da vida, quaisquer que tenham sido as circunstâncias da sua transmissão; e a seguir, o direito – que, como, aliás no primeiro caso, corresponde a um dever – de qualquer mulher levar até ao fim, com a ajuda de todos, a sua gravidez.
Só uma enorme deformação cultural pode levar a pensar que o incesto é um pecado maior do que o aborto. Aliás, em boa moral, não se comparam, em termos de maior ou menor, pecados e males de ordem diferente.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Interessante!
Tenho de ver a telenovela!
;-)

12:35 da manhã  

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