peço a palavra

quinta-feira, maio 28, 2009

DE NOVO A EUROPA


Incentivos à abstenção

Portugal mergulha no festival das eleições.
É um mal necessário, dizem os menos pessimistas. Sim, porque chamar às eleições um mal não parece optimismo.
Ah, diz o meu companheiro de lado, mal por se multiplicarem assim os actos eleitorais: diríamos que isso a que dás o nome de festival é que é o tal mal... necessário, porque nas presentes circunstâncias...
As presentes circunstâncias... sempre as circunstâncias a pagar o preço.
Mas seja. O que hoje me traz aqui, não é tanto o facto de se multiplicarem, em tão curto espaço de tempo, os actos eleitorais.
Se peço a palavra é apenas para gritar, com a força de que sou capaz – como não é muita, talvez ninguém me ouça – contra a burla em que a classe política nos lança, emoldurando discuros que nada têm ver com o objectivo das eleições.
Eleições para o parlamento europeu, dizem eles.
E que parlamento é esse?
Que têm feito lá os deputados eleitos pelos partidos que agora se lançam nos caminhos de Portugal, a pedir o voto dos cidadãos? E qual a identidade europeia de cada um desses partidos? No que se refere a essa Europa, o que é que os distingue uns dos outros?
Como querem que vamos votar no próximo dia sete, se não nos oferecem critérios claros de escolha?
Num pensamento meio caricatural, reconheço, dá-me a impressão de que estamos perante mais uma competição clubística: todos os clubes querem ter um lugar no estádio de Estrasburgo... a ver quem consegue ocupar mais espaço, para berrar com mais força, não se sabe bem o quê.
Só me pergunto se isto não será um enorme incentivo à abstenção.
Abstenção pura e simples, que todos se apressam a classificar de anticivismo, mas que é fortemente incentivada precisamente por quem devia ajudar a evitá-la..
Porque a mim não me satisfaz o anonimato do voto nulo, que acaba sempre por favorecer quem ganha.
Senhores candidatos a deputados, se querem que votemos no próximo dia sete, digam-nos claramente por que Europa vão lutar.

domingo, abril 12, 2009

UM CONTINENTE SEM VERGONHA

Dos tiros aos preservativos

A vergonha que senti, como europeu, ao verificar a profundidade e extensão do jogo sujo levado a cabo pelos meios de comunicação social deste continente, por ocasião da visita pastoral de Bento XVI à África, quase me impôs o silêncio.
Agora chega-me a notícia de que um governo desta velha Europa decidiu responder ao Papa com o envio de um contentor de preservativos.
Vendo bem as coisas, nem é muito de estranhar, já que os guardas fronteiriços têm ordem de disparar sobre os africanos que tentem escapar clandestinamente à pobreza de que, no fundo, o grande responsável é precisamente o continente europeu.
É, de facto, uma vergonha colossal: vivemos numa sociedade de bem-estar que busca tranquilizar a consciência com tiros e preservativos.
Assim, é perfeitamente natural que não só não entenda, mas que manipule de forma torpe o ensino da Igreja, que, no dizer do Concílio, é especialista em humanidade.

Porque ainda há poucos dias alguém se me mostrava chocado com as supostas declarações do Papa, deixo aqui, para os visitantes que não tenham tido acesso a ele, o texto completo da resposta de Bento XVI a um jornalista que falara do pouco realismo do ensino da Igreja.

Eu diria o contrário. Estou convencido de que a presença mais efectiva na frente de batalha contra o HIV/SIDA são, precisamente, a Igreja Católica e as suas instituições. Penso, por exemplo, na Comunidade de Santo Egídio, que tanto faz e tão visivelmente na luta contra a sida; ou nas Camilianas, só para mencionar algumas das freiras que estão ao serviço dos doentes. Penso que este problema, a sida, não pode ser resolvido com slogans de propaganda. Se falta a alma, se os Africanos não se entreajudarem, o flagelo não pode ser resolvido com a distribuição do preservativo; pelo contrário, arriscamo-nos a piorar a situação. A solução só pode advir dum compromisso duplo: primeiro na humanização da sexualidade ou, por outras palavras, num renovamento espiritual e humano que traga consigo uma nova forma de proceder de uns para com os outros. E em segundo lugar, num amor autêntico para com os que sofrem, numa prontidão – mesmo à custa de sacrifício pessoal – para estar junto dos que padecem.
São estes os factores que podem trazer o progresso, real e visível. Assim, eu diria que o nosso esforço deve ser o de renovar a pessoa humana por dentro, o de lhe dar força espiritual e humana para uma forma de comportamento justa para com o seu corpo e o do outro; e ainda de ajudá-la a ser capaz de sofrer com os que sofrem e de estar presente nas situações difíceis. Acredito que é esta a primeira resposta ao problema da sida, que é esta a resposta da Igreja e que, deste modo, a sua contribuição é uma grande contribuição. E estamos gratos a todos os que assim contribuem.

terça-feira, abril 07, 2009

BASTA DE HIPOCRISIA

A América de sempre e a hipocrisia dos políticos

Afinal em que é que ficamos?
O Senhor Obama, cuja inteligência ninguém pode negar, aproveitando como bom político as circunstâncias criadas pelos erros da administração Bush e a novidade, importante para um mundo mais dependente do racismo do que quer admitir, da presença na Casa Branca de um inquilino que não é propriamente branco, veio à Europa tentar convenecer-nos de que a América tinha mudado. E muita gente acreditou: mérito do tribuno e incapacidade de raciocínio dos ouvintes.
Quanto ao Presidente dos Estados Unidos, ninguém lhe pode levar a mal que monte o seu negócio como lhe sugere o mercado nacional e internacional.
Mas nós, se queremos manter um mínimo de dignidade, não podemos calar-nos com tudo, admitir todas as interferências, inspiradas num paternalismo que nem sequer é sincero: porque o que fica mais claro é que a única coisa que conta para a grande potência americana é o interesse estratégico dos países e das regiões.
Foi por isso que me revoltou, além de outras coisas, ouvi-lo dizer que a entrada ad Turquia na União Europeia facilitaria o diálogo dos países cristãos com as nações islâmicas.
Afinal, a entrada da garnde nação asiática para a comunidade europeia é ou não é uma questão religiosa?
Vai a Europa aceitar que a América a pressione com argumentos deste tipo? A Europa que nem sequer quis que no mal fadado tratado, agora chamado de Lisboa, se fizesse menção das suas raízes cristãs... o que não tinha senão um significado cultural, vai agora alargar a União com motivações de ordem religiosa?
Afinal em que é que ficamos?
Basta de hipocrisia!

terça-feira, março 24, 2009

IR ALÉM DA CHINELA


A Calúnia de Apeles

Do grande pintor grego não nos ficaram senão referências aos seus quadros, que terão maravilhado a Grécia do século IV.
Os pintores da Renascença, como fizeram com outras figuras da Antiguidade, serviram-se dessas referências para alimentarem a imaginação e obterem matéria para as suas criações artísticas.
Foi o caso de Botticelli, que nos deixou esta “Calúnia de Apeles”.
Não é, no entanto, a calúnia propriamente dita que nos interessa neste momento, ainda que se fale de Bento XVI, que, vendo bem as coisas, tem sido, nos últimos meses, vítima de manipulações tais, que dificilmente se isentam da acusação de autênticas calúnias.
O que nos interessa de momento é o nome de Apeles, que está ligado a um acontecimento, real ou imaginário, que acbou por se tornar proverbial: o grande pintor, que costumava pedir a diferentes categorias de pessoas, a apreciação dos seus quadros, teve um dia de cortar o comentário do seu sapateiro, muito interessado em apontar defeitos no físico de algum dos seus retratados: Não vá o sapateiro além da chinela!
Ainda hoje se diz isto a quem perde os limites das suas competências e se mete em comentários arriscados sobre matérias que estão fora do âmbito dessas competências.
Apeles, com o atrevimento do seu sapateiro, veio-me ao pensamento há dias, quando ouvi um conhecido comentador da nossa televisão, que, aliás, aprecio quando se ocupa de assuntos políticos, dizer que o Papa se tinha esquecido de que a Igreja Católica aceita o princípio do mal menor.
É realmente demasiado: afirmar assim, com toda a segurança, que o Papa anda tão distraído que nem sequer tem em conta a doutria de cuja justeza é o último garante!
Foi muito mais prudente o Primeiro Ministro francês, quando a respeito do mesmo assunto, ainda que erradamente reduzindo a questão do preservativo a um problema meramente técnico, diz que o Papa é um teólogo e como tal não tem por que se pronunciar sobre o assunto.
Erra, mas não pretende dar lições de teologia moral ao Papa.
O sapateiro, ainda que alargando indevidamente o alcance da chinela, não a ultrapassou. Foi muito mais atrevido o nosso comentador.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

EFEMÉRIDE



Cultura e Ideologia

Ainda que isso não seja exclusivo de sociedaes pequenas e pouco evoluídas, de facto, o caso português é verdadeiramente especial: apesar de alguns esforços meritórios, mas que continuam a ser excepções, a nossa historiografia, de um modo geral, não se ocupa de factos e de ideias, mas de pessoas, que são mais ou menos importantes, consoante os preconceitos de quem investiga ou escreve.
Por isso há figuras da nossa história que são sistematicamente postas de lado, quando não se vão repetindo a seu respeito anedotas que não condizem minimamente com a verdade das respectivas vidas.
Talvez voltemos ao assunto; mas hoje não queria deixar passar o aniversário da morte de uma das maiores figuras da nossa arte musical, cujos amigos ainda não mereceram dos poderes públicos –neste caso de Portugal e do Brasil – o apoio de que têm necessidade para arrncá-lo do purgatório dos proscritos por motivos políticos e fazer sair da poeira das bibliotecas os seus manuscritos.
Refiro-me a Marcos António da Fonseca Portugal, falecido no Rio de Janeiro, a 17 de Fevereiro de 1830: uma data que algumas obras historiográficas ainda não aprenderam.

quarta-feira, dezembro 24, 2008

CRÍTICA E CRIATIVIDADE



Tudo é criticável, dizia aquele comentador político, referindo-se à habitual passividade dos deputados, que, a maior parte das vezes, por preguiça ou falta de cultura, se limitam a fazer número nas votações que apoiam os respectivos partidos.
Capacidade de criticar e de ouvir críticas.
É disso que vive a democracia.
Falta apenas que não nos esqueçamos de que, do mesmo modo que democracia não é anarquia, também não há crítica que subsista sem pontos de referência indiscutíveis. Talvez aquilo que se designa genericamente por VALORES.

Não queremos voltar aos conceitos de uma certa apologética, que fez a sua história, nem sempre muuito brilhante, e que utilizava o paradigma da sociedade perfeita para desenvolver a análise das estruturas visíveis da Igreja.
Mas não podemos deixar de estabelecer determiandos paralelos, como o da necessidade de nos entendermos sobre o que é indiscutível, para não perdermos a liberdade de discutir o que é, de facto, discutível.
É por isso que o amor à clarificação da doutrina cresce na exacta medida em que se preza a liberdade de ter opiniões sobre o opinável.
Esta liberdade, sempre ameaçada por dogmatismos ilegítimos, torna-se muito difícil, para não dizer impossível, em momentos de grave confusão doutrinal.
Por outro lado, no apostolado e na pastoral, quando não se aprendeu a discutir, como e quando se devem discutir, as discutíveis iniciativas dos outros, ou se mergulha na anarquia que divide, ou se cai na subserviência que paralisa, já que não deixa terreno para a criatividade, a iniciativa privada, que é ainda mais legítima, digamos obrigatória, no seio da comunidade crente, do que na sociedade civil.
Isso.
E convém não sequecer que a tentação dos monopólios é também mais subtil e insinuante naquela do que nesta.

quarta-feira, novembro 26, 2008





Rebates de vidente

Depois disto, vi outro anjo que descia do céu com grande autoridade. A terra foi iluminada pelo seu esplendor; e gritou com voz forte:
«Caiu, caiu Babilónia, a grande.
Tornou-se antro de demónios,
guarida de todos os espíritos imundos,
guarida de todas as aves imundas
guarida de todos os animais imundos e repelentes;
porque, do vinho da sua luxúria,
se embriagaram todas as nações;
prostituíram-se com ela os reis da terra,
e, com o seu luxo despudorado,
enriqueceram os comerciantes do mundo.»
(Apocalipse: 18, 1-3)

Não sei nem quero fazer exegese bíblica; e também não posso ceder à tentação das transposições que, por serem demasiado fáceis, correm o risco de não passarem de puras fantasias literárias, mais ou menos conseguidas.
Mas este e outros textos do Vidente de Patmos têm-me andado na mente e soam, por vezes, como rebates de cosnciência, sobretudo quando ouço falar da crise em que o capitalismo selvagem acaba de mergulhar este pobre mundo.
Uma crise que, para mal de todos nós, continua a ser objecto de análises tão redutoras, que será muito difícil, se não impossível, esperar soluções sérias a partir delas.
Foi por isso que as palavras do Senhor Brown, afirmando que numa situação extraordinária precisávamos de medidas absolutamente extraordinárias, me soaram a falso, para não dizer pior.
Porque até agora, tudo quanto tem sido anunciado em ordem a debelar a crise, na minha opinião, não serve senão para salvar as raízes da mesma crise: os homens e as nações procuram apenas evitar as consequências dos erros alheios; não se vê quem queira emendar os seus.