peço a palavra

segunda-feira, janeiro 23, 2006

DIREITO À VIDA?

A escolha do nome para este blogue obedeceu a um objectivo que, por sua vez, assentava numa filosofia, ou, para sermos mais exactos, numa metodologia:
Era seu objectivo comunicar, entrar em comunhão verbal com os inúmeros navegantes que se cruzam na blogosfera, para partilhar ideias sobre todo o tipo de assuntos que, de um modo ou de outro, pertencessem à actualidade das nossas praças e das nossas tertúlias desportivas, políticas, filosóficas ou teológicas.
Para entrar a falar de assuntos que estavam já em discussão, era lógico que se pedisse licença; que se pedisse a palavra, evitando todo o tipo de intromissão magisterial… apenas para dar uma achega, caso quisessem aceitá-la. E esta era a metodologia: Com licença, posso?...
Recordo isto, porque estou mesmo a pedir a palavra para entrar a falar de um tema cuja importância só tem rival na extrema variedade de discursos que sobre ele se têm proferido. Toda agente pensa que tem autoridade para falar da vida, e, como a emoção domina grande parte dos discursos proferidos, é compreensível que muito daquilo que se diz peque por excessiva superficialidade.
Não pretendo, nem ser mais profundo, nem menos emotivo do que os outros. Como também não venho exibir competências que não tenho. Gostaria apenas de oferecer a quem queira reparar nisso o resultado das minhas próprias reflexões, que, como é evidente, procuro conferir com a doutrina da Igreja, ou seja, a comunidade crente.
E hoje, para não ser demasiado longo, vou procurar responder a uma questão que, segundo deduzo de um aceno inquieto deixado na zona dos comentários do meu último “post”, surgiu no espírito de algumas pessoas presentes na primeira tertúlia sobre o dom da vida.
Afinal, a vida é um dom ou um direito?

Não sou médico, nem jurista, nem filósofo, nem teólogo: sou apenas um crente que procura cultivar serenamente o diálogo da fé com a cultura, servindo-se, como é óbvio, de todos os subsídios que uma e outra lhe oferecem para que esse diálogo seja levado até ao fim, com o máximo respeito por ambas, de modo a enriquecerem-se mutuamente. E também de modo a não criar entre ambas conflitos artificiais, falsas questões.
Pergunta-se, no referido aceno, se ainda antes da fecundação haveria direito a “ser”:
Se nós dizemos que a vida é puro dom, se ninguém existe por ter querido existir, como é que se pode dizer que se tem direito a ser, antes de ser concebido?
Parece-me que aqui se confunde o direito à vida com o direito a viver: isto é, o direito a receber o dom – que ninguém pode ter, pois então deixaria de ser dom – com o direito que tem o donatário, uma vez recebido o dom, a que esse mesmo dom se desenvolva segundo o seu próprio dinamismo, tanto quanto possível, até à plenitude que para ele quis o Criador, fonte e termo de todo o ser.
É por isso que a Igreja distingue claramente – note-se, falo da Igreja, no seu ensino oficial, não das afirmações de muitos dos que dentro dela abordam estas matérias – distingue claramente as questões relativas ao aborto, das que dizem respeito à contracepção propriamente dita. E não se trata de uma distinção artificial, porque, de facto, enquanto as primeiras pertencem à área do direito à vida, as segundas estão relacionadas com a verdade intrínseca do acto sexual; verdade que certas formas de contracepção destroem totalmente. Depois, é preciso não esquecer que certos métodos de contracepção são, de facto, abortivos.
Em conclusão, não temos propriamente direito à vida: temos, sim, direito a viver. Mais, uma vez recebido o dom da vida, recebemos com ele o direito a ter os meios adequados a uma existência com um mínimo de qualidade; direito a exigir, primeiro dos pais, depois da família e da sociedade, protecção e ajuda.
Quanto à questão da possibilidade de cada um ter os filhos que Deus lhe desse, “como diria a minha avó”, escreve a interlocutora do meu “post”, eu diria que o problema nasce precisamente no sentido que se dá a essa suposta frase da sua avó; pois, se não me engano, trata-se de atribuir a Deus, ou à generosidade Deus, o que pode muitas vezes ser pura irresponsabilidade dos homens.
Aquilo que a Igreja sempre ensinou, introduzindo-o inclusivamente num documento tão solene como uma constituição conciliar, ainda que puramente pastoral (cf. Gaudium et Spes), foi a paternidade (e maternidade, naturalmente) livre e responsável.
No seio da qual há lugar para a generosidade de qualquer casal, como, aliás também diz o referido documento do Concílio.
Ficamos por aqui.
Vai demasiado longo este post, mas como vou ficar em silêncio pelo menos mais uma semana…

sábado, janeiro 21, 2006

O DOM DA VIDA


Vai uma representação de Santa Inês, com três imagens de São Sebastião.

Santa Inês, uma adolescente de nobre família romana, do início do século IV, que, segundo o testemunho de Santo Ambrósio, bispo de Milão, em finais do mesmo século, teria dado a vida para defender a sua liberdade de amar a Deus, que Se lhe revelara em Jesus Cristo como o Amor capaz de satisfazer plenamente todos os anseios do seu coração.
Dar a vida por amor… que, neste caso não era apenas um grande amor, mas o Amor, sem qualificativos, porque identificado com o próprio Deus.
Celebra-se esta efeméride a seguir à memória litúrgica de outros dos mártires romanos: São Fabião, papa (236-250), e São Sebastião, funcionário imperial (a tradição apresenta-o como o chefe da Guarda Pretoriana), martirizado nos finais do século IV, pouco depois de Santa Inês.
Madrugada de 21 de Janeiro, ao procurar enquadrar tudo aquilo que, durante o dia me falou da vida: dos seus encantos, das suas contradições, de tudo o que nela pesa e nos fascina… como tão bem o soube dizer um dos maiores poetas portugueses de todos os tempos:
Ai, a vida!
Como dói ser vivida,
E como a própria dor a quer e agradece!
(Miguel Torga, Diário, XIII.)

A vida humana, que em si mesma considerada é puro dom, até no sentido em que traz consigo o carácter inalienável do direito a desenvolver-se segundo um ritmo que não pode ser negociado com ninguém.
Vida que, ao contrário do que pensam alguns jovens do grupo que, a princípio da tarde discutiam a existência ou não de limites para o avanço tecnológico, nenhum poder deste mundo, científico, político ou ideológico, pode reclamar em nome do progresso.
Regresso da primeira das três tertúlias programadas pela pastoral da Vigaria de Leiria, com o fim de se reflectir precisamente sobre este carácter da vida como dom absolutamente, que ninguém pode reclamar nem recusar; e, quanto ao pô-lo em risco, só por valores que lhe sejam objectivamente superiores.
Não quero agora falar desta primeira tertúlia.
Gostaria mais de aproveitar a coincidência da memória de três membros da mesma comunidade que deram a vida pela fé, para frisar duas ou três coisas:
Primeiro, como o martírio cristão se distingue de certos suicídios dos nossos dias, praticados por fanatismo, num quadro de sementeira da morte para, com o terror, conseguir aquilo para o qual não se têm armas eficazes: Ou seja, onde se morre para matar.
O mártir cristão, ao contrário, morre para não matar; ou sujeita-se à morte temporal, para evitar a morte eterna.
Sem ter que ver propriamente com o dom da vida: note-se como para a Igreja não têm em conta a condição, nem política, nem social, nem de sexo, nem de função no seio da comunidade, na glorificação dos seus membros.
Temos de facto, reunidos nestas comemorações, um bispo (Fabião, bispo de Roma) e dois leigos: (uma adolescente – segundo a tradição contava apenas treze anos; e um chefe militar, casa imperial).
Por hoje, paramos aqui.
É possível que voltemos ainda a estas questões, sobretudo vale a pena tomar a sério as dificuladde da Igeraj autralidna