peço a palavra

terça-feira, junho 17, 2008

ECOS DE UM REFERENDO


Europa contra os europeus?

Os Irlandeses disseram NÃO ao chamado Tratado de Lisboa. Isso mesmo! Não foi à Europa que eles disseram NÃO; foi a um tratado que, se é essencial à Europa como a quiseram os seus fundadores, ninguém os convenceu disso. Como ninguém me convenceu a mim... e serei eu uma excepção?
Quando foi do chamado Tratado Constitucional – outra designação hipócrita, para não chocar sensibilidades -, rejeitado em referendo pela maioria dos países que utilizaram essa via de ratificação, eu e muitos amigos meus, europeistas como eu – não falo dos outros, porque esses dizem não a tudo – preparávamo-nos para dizer NÃO, logo que ele fosse referendado em Portugal.
De facto, nem esse nem este, apesar das promessas eleitorais do partido do governo, foi sujeito a referendo: seguiu-se a táctica comum, de uma Europa que se diz democrática, mas em que os eleitos do povo não se coibem de aprovar leis que temem venham a ser rejeitadas por esse mesmo povo.
Foi a cobardia geral.
Muitos chamram-lhe prudência.
Talvez tenham razão; mas ninguém me tira da cabeça que isso prestou um péssimo serviço à democracia; até pela generalização da desconfinaça com que a maioria dos europeus encara esta construção da nova Europa; a qual, de facto, pouco ou nada tem a ver com a ideia dos signatários do Tratado de Roma.
Gostaria de terminar recomendando, mais uma vez em nome da democracia, à D.ra Ana Gomes que, quando quiser tirar significado a uma votação, seja mais objectiva, atendo-se aos factos e não se deixando conduzir pela supeição ideológica.
Depois, não é sério acusar os cidadãos de um país, a quem foi dada a oportunidade de se pronunciarem livremente, de estarem contra o resto da Europa, que de facto não se pode pronunciar do mesmo modo.

terça-feira, junho 10, 2008

FUTURO SEM RAÍZES?


COM CAMÕES, A DEZ DE JUNHO

Enfim, não houve forte capitão
Que não fosse também douto e ciente,
Da Lácia, Grega ou Bárbara nação,
Senão da Portuguesa tão somente.
Sem vergonha o não digo, que a razão
De algum não ser por versos excelente
É não se ver prezado o verso e rima,
Porque quem não sabe arte não na estima.

Por isso, e não por falta de natura,
Não há também Virgílios nem Homeros;
Nem haverá, se este costume dura,
Pios Eneias nem Aquiles feros.
Mas o pior de tudo é que a ventura
Tão ásperos os fez e tão austeros,
Tão rudes e de engenho tão remisso,
Que a muitos lhes dá pouco ou nada disso.
(Os Lusíadas: V, 97-98)

Sobre estes versos do nosso épico, escreveu, passa de 44 anos, Jorge de Sena, que aqui, Camões, cedendo aos impulsos da sua lúcida consciência de cidadão, põe o dedo numa “das feridas mais profundas da civilização portuguesa: a cisão anti-humanista entre Cultura e Acção”.
Estes versos e este comentário vieram-me à mente, ainda que por motivos diferentes, quando as circunstâncias me obrigaram – porque tinha feito o propósito de não escutá-los – a ouvir partes de alguns discursos proferidos nas celebrações oficiais do “Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades”.
Quanto a mim, a João Benard da Costa faltou apenas coragem para dizer com mais clareza o que disse veladamente sobre os perigos que encerra para o futuro da Nação a ausência de humansimo na formação das gerações novas.
O Presidente da República, salvo o devido respeito, insiste no erro da tecnologia, que pode existir longe da ciência em que se fundamenta, transformado-se assim na arma mais perigosa ao serviço de qualquer manipulação.
Não, não foi aquele lapso do “Dia da Raça” – expressão que uma grande falta de memória levou certas ideologias a identificar com um passado que, afinal, nunca a apadrinhou, pelo menos no sentido que agora lhe querem dar – não foi esse lapso, apesar de também o achar lamentável, que me impressionou:
Fiquei preocupado com coisas mais sérias.
De acordo, Senhor Presidente: não adianta um povo orgulhar-se do seu passado, se não sabe construir o futuro.
O pior é que sem passado não há futuro.
E se tirarmos ao desabafo de Camões, na parte final do canto V de “Os Lusíadas”, aquilo que é apenas a gramática obrigatória de um discurso político do século XVI, não será difícil decobrir nele precisamente as consequências da política educacional que neste momento se propõe à Escola. E que prolongará neecssariamente, essa tal ferida da cuvilização portuguesa: “a cisão anti-humanista entre Cultura e Acção”.