peço a palavra

segunda-feira, março 27, 2006

MÁSCARAS DA DISCRIMINAÇÃO



Reservas de um ignorante

Tinha de ser: ao complexo de país culturalmente dependente juntou-se o complexo de esquerda, que, como todos os complexos – se fosse de direita seria igualmente patológico – conduz irremediavelmente a decisões acríticas. O que importa é que estejam coloridas de esquerda, mesmo que contradigam os grandes objectivos por que sempre lutou a esquerda europeia.
No dia internacional da mulher foram divulgadas estatísticas que demonstravam que Portugal era o país da União Europeia que tinha maior percentagem de mulheres a desempenhar cargos públicos… o que me deu muita alegria, não só pelo que isso significava de avanço de uma democracia real – os Portugueses, de um modo geral, sabiam respeitar os talentos, e não criavam dificuldades à sua emergência, viessem donde viessem – mas também pela certeza de que, mais tarde ou mais cedo, isso se reflectiria em inegáveis benefícios para o nosso viver colectivo.
Foi por isso que me surpreendeu a notícia de que, muito em breve iria ser presente na Assembleia da República um projecto de lei sobre as famigeradas cotas, ou regras de paridade…
Hoje não digo mais sobre o assunto.
Gostaria apenas de deixar aqui a pergunta a quem saiba mais de direitos e garantias:
Uma lei desse tipo estará de acordo com os preceitos constitucionais? Eu não consigo ver como cabe na norma seguinte:

Artigo 13.º (Princípio da igualdade)
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.





domingo, março 05, 2006

ENTRE A INTOLERÂNCIA E A IRRESPONSABILIDADE



Este é um “post” que já esteve na gaveta dos impublicáveis, depois de esperar inutilmente por um ambiente sereno, em que pudéssemos emitir a nossa opinião sem sermos imediatamente conotados com qualquer das ideologias em confronto, atirados para algum dos extremos, que só aparentemente se excluem.
De facto, num mundo superficial como o nosso, dominado pelos mass mdia, onde a força do discurso nasce precisamente do vazio de ideias, num abismo de maniqueismo político e cultural, não se aceitam matizes, e não coincidir totalmente com o opensamento de um grupo é correr sério risco de nos identificarem com o outro.
Estava, pois, na gaveta, o “post” que aqui vai, um pouco mutilado por influência dos últimos acontecimentos e dos discursos que sobre eles nos vêm de todos os quadrantes; não tem qualquer pretensão de novidade, e o seu autor não ficaria espantado se aparecessem a acusá-lo, com a mesma violência, uns de intolerante, inimigo da liberdade de expressão, outros de agressor irresponável, demolidor dos sentimentos e das crenças.
Como terá acontecido com milhões de cidadãos do globo, só soube das caricaturas dinamarquesas pelos noticiários, que relatavam com incrível avidez a violência que se lhes seguiu em alguns países muçulmanos. Friso o alguns, porque, de facto, a maioria desses países não se manifestou, e, mesmo nos primeiros, para tantos milhões de crentes, foram demasiado poucos os que se deixaram manipular por agitadores que, em meu entender, até podiam ser amigos dos autores das famigeradas caricaturas.
Acompanhei os debates, sempre marcados pela violência com que as ideologias, mascaradas ou dando a cara, procuraram aproveitar a ocasião para vender o seu produto. E fiquei triste.
Por isso retirei o “post” da gaveta e fiz dele um desabafo de ciadadão desencantado: desencantado com os detentores do poder dito democrático, mas mais ainda com os nossos intelectuais, que deviam ser as pessoas mais lúcidas, não só para analisarem os factos com objectividade, mas sobretudo para ajudarem o cidadão comum a titrar deles as lições que contêm em ordem ao futuro.
Foi uma pena que se tenha erguido tão alto a voz para atacar, não importa agora quem, nem o quê, sempre em nome de valores abstractos, e não se tenha dispendido o menor esforço numa autêntica pedagogia da liberdade.
Liberdade, que não pode assentar no erro, nem numa verdade puramente abstracta, sem referências concretas ao ser e ao agir humanos… e que não existe apenas pela ausência de amarras, já que o homem só é verdadeiramente livre em função do que desperta a sua capacidade de amar.
É por isso que não basta abolir as leis repressivas para criar uma sociedade livre.
E foi também por isso que reduzir a questão das caricaturas a um problema de liberdades democráticas, de leis mais ou menos permissivas… de encontro ou desencontro de civilizações, me pareceu, no mínmo, uma cegueira imperdoável, que fez com que quem devia aproveitar os factos para abrir os horizontes a um pensamento mais amplo e, como tal mais humanista, se tenha entretido a atiçar novas fogueiras, mesmo quando falava contra elas.
Porque não se pode condenar a intolerância apoiando a irresponsabilidade, nem condenar esta apoiando aquela.
Foi triste. Muito triste mesmo, esta divisão do mundo em dois, levada cabo, não pelos factos em si, mas por quem os mostrou e se meteu a comentá-los, sem se defender devidamente do espírito que lhes estava subjacente, agravando assim o abismo que nos separa uns dos outros, com prejuízo para todos.