peço a palavra

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

O MEU PONTO DE VISTA





Antes de mais, peço licença ao autor para transcrever de Notícias Lepanto, 10.002.2006, o texto seguinte.
Guardo as particularidades do português do Brasil, pelo respeito que merece a grande nação irmã, bem como o autor do texto.

O ciclo natalino se encerra com a Festa da Apresentação do Menino Jesus no Templo e a Purificação de Nossa Senhora, no dia 2 de fevereiro. A piedade cristã, tendo em vista ressaltar tal solenidade, foi-lhe acrescentando nomes evocativos como Festa de Nossa Senhora das Candeias, da Luz, dos Navegantes, da Candelária, do Bom Sucesso e do Bom Parto.

Ao ser apresentado no Templo, o santo e venerável Simeão, ao receber o Menino Deus em seus braços, cheio de alegria, voltou-se para Maria Santíssima e afirmou que aquele Menino foi posto para ruína e salvação de muitos em Israel, que seria alvo de contradição, e uma espada de dor transpassaria o coração da Mãe, para que se revelasse o segredo dos corações.

Os gregos começaram a chamar a festa de Ipapante, que quer dizer o Encontro do Senhor. Na verdade, os primeiros vestígios de sua celebração remontam ao século IV, sendo comemorada com grande pompa – comparando-se à celebração da Páscoa –, com procissão, sermão, Missa e a bênção das velas.

Durante as cerimônias da grande festa, são bentas as velas com paramentos roxos, e distribuídas aos fiéis para o acompanhamento da procissão, que significa a viagem de Maria e de São José ao Templo, levando o Menino Jesus. A Missa do dia contempla dois grandes mistérios, a obediência à Lei de Moisés, que mandava levar a criança ao Templo 40 dias após o nascimento, e o Rito da Purificação, para que a mãe voltasse a freqüentar o Templo.

O Menino Jesus foi apresentado no Templo de Jerusalém e resgatado com a oferta de cinco siclos**, e a Mãe, para cumprir o Rito da Purificação, ofereceu dois pombos, exatamente a oferta dos pobres. Com efeito, Maria não necessitava cumprir o ritual mosaico, porque Ela concebeu por obra do Espírito Santo, mas quis sujeitar-se a ele para nos servir de modelo de humildade e de obediência.
P. David Francisquini

E agora peço licença para esclarecer alguns pontos e discordar de outros.
Em primeiro lugar, quanto aos nomes dados a esta festa pela piedade popular, que, talvez por este mistério do Senhor nunca ter sido devidamente explicado ao povo cristão, acabou por lhe dar um sentido eminentemente mariano: Nossa Senhora da Apresentação será o nome mais de acordo com o mistério que se celebra: a apresentação do Menino no Templo, “como prescrevia a Lei”… De facto, na Lei não havia tal prescrição: o que dizia a Lei, como pode ler-se em Lev 12, 6-8, era que toda a mulher que dava à luz um filho varão, quarenta dias após o parto, devia apresentar-se no templo e oferecer, como sacrifício de purificação, um cordeiro ou duas rolas ou duas pombas, segundo as suas posses.
É a isto que se refere São Lucas em 2,24; em 2, 23 refere-se à Lei dos primogénitos (Ex 34, 20; Num 18, 15-22), segundo a qual, em memória da protecção concedida aos primogénitos dos Hebreus, por ocasião da matança dos primogénitos dos egípcios, todo o primogénito pertencia ao Senhor; o pai, ou o dono, no caso dos animais, devia resgatá-lo mediante o pagamento de cinco siclos, durante o mês a seguir ao nascimento.
São Lucas, ao não diz nada sobre o resgate – que devia ser feito pago pelo pai biológico – depois de citar a Lei, parece insinuar duas coisas muito importantes para nós: primeiro, que José não é, de facto, o pai biológico de Jesus. Segundo, que o Menino não foi resgatado.
Segundo alguns teólogos contemporâneos, a importância destas duas insinuações é maior do que poderia parecer: não só pela concepção virginal de Cristo, mas sobretudo porque não teria sentido que aquele de quem o cordeiro pascal – que recordava o cordeiro cujo sangue evitara a morte dos primogénitos hebreus -, era a figura, que estava posto para resgate da humanidade, fosse, por sua vez, resgatado por cinco moedas.
Por outro lado, há autores que ligam ao facto de Jesus não ter sido resgatado o episódio de Lc 2, 41-52 (perda e encontro no Templo).
Nossa Senhora da Purificação, é outro nome dado pela piedade cristã à festa de dois de Fevereiro.
Isso é claro: Maria vai ao templo, porque toda a mulher, depois de dar à luz – 40 dias, se era um menino, 60, se uma menina – devia ir ao templo, realizar o rito da purificação. Porquê? Donde lhe vinha a impureza?
É aqui que discordo em absoluto o P. Francisquini, que, como, aliás muitos pregadores que não se dão conta da contradição que pode encerrar o seu modo de ler o texto, dizem que Maria não precisava deste rito porque Jesus tinha sido concebido virginalmente.
Ora, a impureza da parturiente, impureza puramente legal, não tinha nada ver com o modo como ela ficara grávida. E parece-me grave que demos a uma celebração como esta um colorido, ainda que muito diluído, a insinuar menosprezo pelas relações sexuais.
A impureza da parturiente tinha a ver com a ideia profundamente arreigada nos povos nómadas, que o sangue era o símbolo da vida; esta ideia, como aconteceu com outros costumes, é introduzida na Lei com um novo significado: Deus é o Senhor absoluto da vida, particularmente da vida humana, de modo que a sua transmissão tem o seu quê de divino; e o derramamento de sangue, que no parto e na menstruação, segundo a concepção dos povos nómadas, implicava uma especial relação com a vida, por isso mesmo e não por qualquer razão de ordem moral, tornava a mulher sujeito de uma impureza de que devia limpar-se oferecendo, no caso dos Hebreus, um cordeiro ou duas rolas (duas pombinhas).
Tendo isto presente, já não podemos dizer que Maria estava dispensada de ir purificar-se no templo, ainda que a piedade cristã, no geral, considere que a virgindade no parto implica ausência de derramamento de sangue.
O que, num certo sentido, põe mais em realce a obediência de Maria, que está na linha da obediência com que Jesus vem salvar a humanidade.
Dos outros nomes dados à festa da Apresentação do Menino, gostaria de recordar: Senhora da Luz, Senhora das Candeias, Candelária: Fundamentalmente, estes nomes vêm do facto de nesta celebração se realizar muitas vezes a bênção e procissão das velas – latim, candelae – rito inspirado nas palavras do velho Simeão: Agora, Senhor, segundo a tua palavra, deixarás ir em paz o teu servo, porque meus olhos viram a Salvação que ofereceste a todos os povos, Luz para se revelar às nações e glória do Israel teu povo (Lc 2, 29-32)
Nada do que fica dito pretende deslustrar a importância da festa da Apresentação do Senhor, simultâneamente cristológica e mariana.
Creio até que os pormenores para que me atrevi a chamar a tenção podem ajudar a aprofundar o respectivo sentido, sem equívocos de ordem teológica.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

NA GUERRA, A VERDADE DA PAZ



Absalão, montado numa mula, encontrou-se, de repente, em frente dos homens de David. A mula passou sob a ramagem espessa de um grande carvalho, e a cabeça de Absalão ficou presa nos ramos da árvore, de modo que ficou suspenso entre o céu e a terra, enquanto a mula em que ia montado seguia em frente.
Alguém viu e avisou Joab: «Vi agora Absalão suspenso de um carvalho».
Joab respondeu: «Não tenho tempo a perder contigo.» Tomou, pois, três dardos e cravou-os no coração de Absalão.
David estava sentado entre duas portas. (…)
Entretanto chegou um mensageiro etíope e disse: «Saiba o rei, meu senhor, a boa notícia: o Senhor fez hoje justiça a teu favor, contra todos os que se revoltaram contra ti.»
O rei perguntou ao etíope: «Está bem o jovem Absalão?» E o etíope respondeu: «Tenham a sorte deste jovem os inimigos do rei, meu senhor, e todos os que se levantam contra ti para te fazer mal!»
Então, o rei, muito triste, subiu ao quarto que estava por cima da porta e pôs-se a chorar. E dizia, caminhando de um lado para o outro: «Meu filho Absalão, meu filho, meu filho Absalão! Porque não morri eu em teu lugar? Absalão, meu filho, meu filho!»
Disseram a Joab: «O rei chora e lamenta-se por causa de Absalão.»
E naquele dia a vitória converteu-se em luto para todo o exército, porque o povo soube que o rei estava acabrunhado de dor por causa do filho.
(II Sam 18, 9 sgs.)

A verdade da paz deve valer, e fazer valer o seu resplendor benéfico de luz, mesmo quando nos encontramos na trágica situação duma guerra. Os Padres do Concílio Ecuménico Vaticano II, na constituição pastoral Gaudium et spes, ressaltam que, «uma vez começada lamentavelmente a guerra, nem tudo se torna lícito entre as partes beligerantes». [7] A Comunidade Internacional dotou-se de um direito internacional humanitário para limitar ao máximo, sobretudo nas populações civis, as consequências devastadoras da guerra. Em numerosas circunstâncias e com diversas modalidades, a Santa Sé manifestou o seu apoio a este direito humanitário, encorajando o seu respeito e pronta actuação, convencida de que existe, mesmo na guerra, a verdade da paz. (Bento XVI)

Está na raiz da cultura greco-romana – quem duvidar pode ler o que nos resta do grande teatro trágico - cómico, de Ésquilo a Eurípedes, passando por Sófocles e Aristófanes – que a violência gera a violência, num crescendo em espiral, só remediável quando à vingança pessoal se sobrepõe uma norma transcendente aos interesses directos dos contendores.
A esta intuição dos grandes pensadores gregos vem juntar-se a luz da Revelação, que põe acima dos particularismos de cada indivíduo e de cada povo, a verdade universal do homem, criatura e imagem de Deus.
É aí que radica a tristeza que, no relato das lutas de David com os seus adversários, se abate sobre o exército vencedor, depois de ter tratado cruelmente o inimigo vencido.
É aí que vai também lançar as suas raízes a doutrina expressa pelo papa Bento XVI na sua primeira mensagem para o Dia Mundial da Paz, que ele faz depender da verdade: porque onde reina a mentira germina a guerra: E esta só pode desembocar na paz, se respeitar a respectiva verdade.
Será que entendem isto os responsáveis pela vida das comunidades, que, na sua altíssima maioria, se reportam à revelação bíblica?