peço a palavra

domingo, dezembro 31, 2006

DIREITO À INDIGNAÇÃO


Peço desculpa aos visitantes deste blogue de terminar o ano com uma reflexão amarga, dolorosa, quase à beira da revolta: Com imprecações, raios coriscos e tudo...
Vou tentar ser moderado, não para ceder às hipocrisias que andam por aí a recomendar moderação, para poderem enganar impunemente todos os incautos, que são também muitos, uns por preguiça, outros por real incapacidade de raciocínio; não, não quero entrar na lista dos ingénuos que se estão a armar de moderação, enquanto os outros – os filhos das trevas, que são sempre mais espertos do que os filhos da luz (cf. Lc. 16,8) – avançam no seu cambate, conquistando cada vez mais terreno.
Vou procurar ser moderado porque me respeito.
Quero apenas manifestar a minha indignação: porque isso sim, é um direito que todos temos, e todos, pelo menos até certo ponto, nos reconhecem.
E a minha indignação, neste momento, ainda que isso pareça presunção da minha parte, quer ser a indignação de todos os portugueses que não se dão conta da mentira em que os envolveram os que, há pouco mais de um ano lhes bateram á porta a pedir um voto, em nome da verdade e da transparência.
Madre Teresa de Calcutá, quando veio à Europa, para receber o Prémio Nobel da Paz, interrogada pelos jornalistas sobre o que considerava os grandes atentados contra a paz no mundo contemporâneo, respondeu sem hesitar: a desobediência dentro da Igreja e a legislação abortista da maioria dos países ocidentais.
Vem aí um referendo que nos envergonha, até pela mentira que o envolve.
Apetece-me gritar:
É necessário esclarecer e esclarecer-se.
A população portuguesa está a ser vítima de uma burla inqualificável: pergunta-se-lhe algo de forma que entenda outra coisa, e, o que é mais grave, ob o pretexto de que se trata de uma questão de consciência, fechou-se aos defensores do NÃO o livre acesso aos meios de comunicação social, enquanto os defensores do SIM estão permanentemente em campo.

quarta-feira, dezembro 20, 2006

SERÁ APENAS UMA QUESTÃO DE PALVRAS?



Era o telejornal... precisamente o programa televisivo que, em qualquer dos canais, me parece menos respeitador da inteligência dos telespectadores: pela descarada confusão entre serviço informativo e propaganda ideológica, pelo desmedido tempo que gasta, ainda por cima semeado de iscos para manter as audiências, pelos erros de linguagem, por tudo...
Era o telejornal, que seguia por acaso, e, mais uma vez, com a infelicidade dos maus encontros:
Apareceu uma reportagem sobre polícias e cães... Cães que andam a ser preparados para a descoberta de droga aqui e acolá... hoje era no metropolitano. E, dizia o jornalista, estavam ainda a ser “formados”.
Cães em fase de formação?!
No português corrente, pelo menos aquele que eu aprendi, havia três palavras da área da promoção do crescimento, digamos assim, dos indivíduos: quando se tratava de pessoas, dizia-se, por ordem crescente de riqueza de conteúdo: educar e formar.
Educar: pela própria etimologia, a palavra significa, ou significava então, conduzir os mais novos, puxar por eles, para que não crescessem apenas como seres biológicos, mas como pessoas capazes de tomarem decisões livres, num determinado contexto civil e religioso.
Formar: ainda que não seja fácil separá-los, o conceito de “formação” acrescentava ao de “educação” a ideia de construção da personalidade. Por isso, enquanto todos diziam de um jovem ainda não adulto que estava em fase de formação, ninguém dizia, por exemplo, que o elefante bébé do circo ia com a mãe porque ainda estava ser formado.
No caso dos animais, sempre ouvi falar de treino; e quando se falava de feras, usava-se a palavra domar. Nunca ouvi dizer que os animais tivessem “educadores” ou “formadores”, mas “treinadores” e “domadores”.
Agora a televisão vem falar-me de cães polícias em fase de formação!
Será apenas uma questão de palavras? Todos sabemos que as alterações da linguagem nunca foram inocentes; também o não são hoje.
Em meu entender as pessoas é que se fomam; os animais treinam-se ou domam-se.
E, como ninguém pensou nunca em considerar pessoa um animal, se usa para ele os termos que se referem a pessoas, é certamente porque perdeu a noção do que significa verdadeiramente ser pessoa: educar, formar e treinar ou domar, é a mesma coisa.
Será influência do futebol?
Realmente, às vezes, ao ver o que se passa no mundo do desporto profissional, somos tentados a pensar que tudo se desumanizou de tal modo, que assim como falamos em treinadores de futebol, também podemos falar de formadores de animais.
O pior é que, no meio disto tudo, quem perde são as pessoas.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

AS MALHAS DA HIPOCRISIA


Repare-se que não falo de hipócritas mas de hipocrisia: não me refiro às ciladas dos que conscientemente usam os instrumentos de comunicação para esconderem o que realmente são e pensam, mas ao ambiente geral, à prática dos discursos que se encerram numa tal manipulação.
Falar das malhas da hipocrisia não é, por conseguinte, falar daqueles que se deixam enredar nelas: destes há os que conscientemente manipulam factos, sentimentos e discursos – são os hipócritas – e há os que, sem se darem conta, lhes prestam o mais eficaz dos serviços.
Na comunicação em que anuncia ao país a promulgação da lei do referendo sobre o aborto, Cavaco Silva insiste na necssidade de tempo para que as pessoas sejam devidadmente esclarecidas e diz esperar que o debate “decorra com dignidade e elevação”.
Mas é caso para perguntar? (E note-se que não pergunto apenas ao Presidente da República, porque antes dele, outras pessoas com grande responsabilidade na formação da opinião pública utilizaram o mesmo tipo de discurso)
A quem se recomenda esta “dignidade e elevação”? A todos ou apenas aos que estão de um lado da barricada?
A todos?
Mas então, como se explica que a cada momento deparemos com discursos, artigos de jornal, debates e programas televisivos, utilizando as mais variadas agressões, de que as mais graves são sempre de ordem cultural, para levar os elitores a dizer sim no tal referendo?
Sinceramente, as recomendações de “dignidade e elevação”, repetidas com tanta insistência por parte dos defensores do sim, soam a hipocrisia, porque pode muito bem estar aí uma arma contra a universalidade do direito de falar.