peço a palavra

terça-feira, março 18, 2008

SÓ UM DESABAFO


Unidade ou uniformidade descaracterizadora?
Sustentava contra ele Vénus bela,
Afeiçoada à gente Lusitana,
Por quantas qualidades via nela
Da antiga, tão amada sua, Romana;
Nos fortes corações, na grande estrela
Que mostraram na terra Tingitana,
E na língua, na qual, quando imagina,
Com pouca corrupção crê que é a Latina.
(Os Lusíadas, I, 33)

Tinha feito o propósito de nunca escrever nada sobre o assunto, sobretudo porque me cansaram as discussões que andavam à volta do secundário: uns contra, por razões que não me pareciam tais; outros a favor, insistindo em coisas que se podiam e deviam conseguir por vias diferentes, escondendo ao mesmo tempo as suas gravíssimas consequências, tanto do ponto de vista linguístico, como do ponto de vista cultural e económico.
Como é fácil de perecber, refiro-me ao malfadado acordo ortográfico luso-brasileiro:
Não queria escrever sobre ele também porque, quando as coisas se acalmaram, convenci-me de que não se faria o tal acordo, mesmo que houvesse interesses políticos, tanto de um lado como do outro, a mexer no assunto de vez em quando.
Infelizmente as coisas tomaram um rumo mais trágico. Escolho a palavra conscientemente, porque na minha visão pessoal, o que está a acontecer neste momento, não é apenas uma cedência vergonhosa a interesses que pouco ou nada têm a ver com os valores em jogo; mas é toda uma nação que renuncia à sua identidade, hipotecando irremediavelmente o que quer salvar.
Não discuto o assunto, até porque gente muito mais competente do que eu está calada: também isto pertence aos aspectos trágicos do nosso destino histórico.
Queria deixar aqui apenas um desabafo, que talvez desperte mais algum espírito distraido... que, por acaso, apenas por acaso, se distraísse com este blogue.
È falso que para se manter a unidade de uma língua seja preciso que todos a escrevam da mesma maneira.
Muito ao contrário, se a unificação da ortografia se faz ignorando que certas diferenças não são puramente ortográficas, pode uniformizar-se a língua, não unificá-la: porque a unidade é feita da integração das diferenças.
E os critérios adoptados neste acordo, além de não poderem, e ainda bem, uniformizar a sintaxe, que é, de facto, o que dá estrutura linguítica a falares diferentes, vai fazer com que o português de Portugal perca progressivamente algumas das suas características essenciais.
Deixo a exemplificação aos especialistas; mas sempre digo que se trata de algo mais grave ainda, se tivermos em conta que actualmente, não só não se ensina a ler e escrever nas nossas escolas, como se lê mal em todos os meios de comunicação visual e auditiva.
É de arrepiar o modo como sistematicamente se destrói o que fazia a musicalidade tão característica do português falado do lado de cá do Atlântico, do qual devia aproximar-se tanto quanto possível a leitura do texto escrito.
E se pensamos na poesia, torna-se cada vez menos claro o que signfica o ritmo poético.
Resultados de uma má aprendizagem da leitura, que, valha-nos ao menos isso, não se verifica ainda no Brasil.
Peço desculpa aos meus vistantes!
Era só para desabafar.

domingo, março 16, 2008

AINDA A PEREGRINAÇÃO DIOCESANA




Apenas um pormenor?

Do editorial do último número de O Mensageiro, cuja leitura aconselho vivamente a quem ainda não reparou nele, transcrevo, com a devida vénia, o seguinte passo:
«A peregrinação diocesana tem como sentimento primordial a comunhão eclesial. A ideia de pertença a uma igreja particular que caminha numa mesma direcção e que celebra a alegria da comunhão. Por isso ela é, antes de mais, uma resposta a uma convocatória. O bispo diocesano é aquele que convoca, e os inúmeros peregrinos, como ele mesmo, respondem a essa convocação. Para lá da convocatória, a elaboração de um programa que privilegie momentos de celebração, convívio e reflexão comunitários é de capital importância. Ir a Fátima inserido na peregrinação diocesana nâo é de forma alguma o mesmo que ir a Fàtima por decisão e motivação própria. Há todo o aspecto comunitário que a Peregrinação Diocesana assume e deve ser prioritário. Por outro lado, a criação de um tema que sirva de pano de fundo para a Peregrinação é de capital importância e ajuda para que se gere essa comunhão de sentimentos.»

Está muito bem, caro Rui. Estou de acordo contigo.
De acordo em quase tudo. De facto, apenas quase, porque aquilo que tu dizes ser específico da Peregrinação Diocesana a Fátima, aplica-se a qualquer outra peregrinação diocesana, não importa a que santuário.
Para mim não fica claro o que é que, na tua caracterização, distingue uma perigrinação dioessana a Fátima – falando de Leiria, claro – de uma peregrinação diocesana, por exemplo, à Nazaré, ou, mais perto de nós, a Nossa Senhora do Fetal, da Ortigaa, etc.
Desculpa, mas acho que para que a Peregrinação Diocsana a Fátima não se confunda com uma romaria qualquer, ainda que enriquecida com os elementos que lhe juntas, é necssário que haja nela algo mais específico, de Fátima e de Leiria.
E esse algo existiu no início: falava-e dele muito, quando eu era jovem:
D. José Alves Correia da Silva, após a publicação do documento que reconhecia a credibilidade das aparições, propôs ao seu presbitério, que logo aceitou a ideia, uma peregrinação diocesana a Fátima, todos os anos, em Agosto, para desagravar a Deus e à Virgem Santíssima do abuso de poder por parte da autarquia, sobre as três crianças, no dia 13 de Agosto de 1917.
Esta motivação inicial, cujo esquecimento se agravou com a mudança da data da Peregrinação, parece um pormenor sem importância.
Na minha perspectiva, é o que ditingue a Peregrinação da Diocese a Fátima de qualquer outra. E o seu esquecimento será mais um sintoma de que a Diocese perdeu a noção das suas responsabilidades como depositária dos recados de Maria em Fátima.

sábado, março 15, 2008

DISTRACÇÕES DE UM PEREGRTINO



Procurando inserir o meu relacionamento pessoal com Fátima no quadro da minha docilidade ao bispo da diocese, como fiel e membro do presbitério, peregrinei também até à Cova da Iria... e cheguei-me ali, ao pé da capelinha, com um especial desejo de concentração no essencial.
Por isso resisto, mais uma vez, à tentação de um novo discurso contra esta troca da palavra terço pela palavra rosário.
E fixo-me nos conteúdos do que se vai dizendo, rezando ou cantando.
Mas no mesmo momento em que me concentro, o objecto dessa concentração torna-se fonte de novas distracções:

A palavra é o resultado de um esforço gigantesco do espírito humano para vencer as barreiras que os condicionalimos da matéria põem à sua natural ânsia de comunicar.
Um instrumento onde o físico e o fisiológico se casam de forma única com objectivos e conteúdos espirituais, apesar da sua funcionalidade, teria de ser necessáraimente inadequado: e é no seio desta inadequação que nascem e se desenvolvem os grandes equívocos da história das ideias; mas é também essa inadequação que produz a poesia e tantas outras maravilhas da arte de comunicar. E se é verdade que nunca conseguiremos dizer uns aos outros tudo o que temos o desejo de dizer, também é verdade que ao fazer-nos à Sua imagem e semelhança, Deus nos concedeu um número quase infinito de possibilidades... e, pasme-se, para que entre essas possibilidades estivesse a de falarmos com Ele, ao Seu nível, a Sua Palavra fez-Se nossa Palavra:
« E o Verbo fez-se homem
e veio habitar connosco.
E nós contemplámos a sua glória,
a glória que possui como Filho Unigénito do Pai,
cheio de graça e de verdade.» (João: 1, 14)

Em princípio, ninguém duvida de que a mentira – uso da palavra, não para comunicar, mas para enganar - antes de ser um pecado que onera a consciência de quem o pratica, constitui uma grave desordem ética, pelo desrespeito do modo humano de estar no mundo que implica.
O problema está em que geralmente não se pensa nisso.
Todos mentem, e ninguém gosta que lhe mintam. Nem mesmo com as tais mentiras que dizem não dar prejuízo.
Porque, ainda que se pense o contrário, isso de dar ou não dar prejuízo não tem que ver com a mentira, mas com a injustiça, a falta de respeito pela propriedade alheia.
Distraio-me com estas ideias ao reparar na repetição quase obsessiva da palavra ternura.
É verdade que ela está no centro do tema fornecido pelo bispo diocesano para esta peregrinação. Mas as palavras não se gastam só pelo uso ao longo das gerações: o seu emprego excessivo em determinado momento banaliza-as, transforma-as em lugares comuns, sem significado.
A não ser que se introduzam numa dinâmica publicitária: porque então, o repeti-las obsessivamente tem como objectivo tirar aos ouvintes a capacidade de opção livre, em ordem ao consumo que se quer impor.
É o mundo específico da mentira dos mercados.
Não sendo esta a circunstância em que nos enocontramos, é de temer que com tanto falar na ternura de Deus, insistindo em dar a Maria o título de Mãe da Ternura, acabemos por ocultar ao comum das pessoas a grande verdade que se lhes quer comunicar.



sexta-feira, março 07, 2008

APENAS UMA DÚVIDA





Traduzo livremente da versão inglesa, porque me não foi possível ter à mão o original alemão:

«Apenas quem sabe pela fé que houve um homem que é Deus possui a bitola necessária para determinar a verdadeira natureza do homem.
Unicamente alguém como ele sabe exactamente porque é que não podemos descobrir o verdadeiro homem e o que lhe é próprio, se procuramos apenas o homem.
Só quando tivermos bem firme nas nossas mentes que o próprio Deus se fez homem, a dolorosa experiência da história se torna transparente no seu significado; só então percebemos que um mero monólogo consigo próprio, por belo e sublime que seja, não faz mais do que lançar o espírito humano no vazio.
Porque o homem é o diálogo encarnado com Deus; o diálogo cujas primeiras palavras são – e aqui está a força original de todo o humanismo -: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança.
Neste momento foi dado ao homem o poder de responder a Deus, mas apenas naquele que é as duas coisas – anthropos e Logos -, pois o homem só pode dirigir-se a Deus do modo como Deus lhe falou a ele próprio. Tudo o resto é apenas monólogo com os deuses, que são meros reflexos de si próprio. Deus ouve apenas a Sua própria Palavra.» (Hugo Rahner).

E trago para aqui este texto, não especialmente para alertar os pensadores europeus para o perigo que encerram propostas legislativas como a daquele grupo de parlamentares de Estrasburgo, que querem que se proiba o ensino do criacionismo nas escolas. O que, no último momento me empurrou para a transcrição deste parágrafo de uma obra de referência do pensamento ocidental contemporâneo foi a estranheza que me casou há dias o presidente de uma organização cívica que admiro desde a minha juventue.
Esta organização acaba de oferecer o seu contributo, com uma análise de grande qualidade, para o que podemos designar por regeneração da sociedade portuguesa. E aí se fala, entre outras coisas, da crise de valores.
Pois o seu presidente, numa entrevista a vários órgãos da comunicação social, fez questão de frisar que estes valores não têm nada a ver com a religião, seja ela qual for.
Fico sem saber de que valores se fala. Ou o que é que ele entende por religião.
Por outro lado, não se me tira da cabeça que este intelectual, por falta da linguagem adequada, não comunicou uma ideia importante, que era talvez a sua, mas que não pode exprmir-se assim, sob pena de nos limitarmos a aumentar o coro dos mestres da esquizofrenia e da incoerência que minam a cultura ocidental.