peço a palavra

sexta-feira, setembro 29, 2006

DE RATISBONA A CASTELGANDOLFO


- Afinal, tudo isto não passou de uma tempestade num copo de água, dizia-se há dias, em tom professoral, num dos nossos meios de comunicação, a propósito da agitação criada a pretexto de um curtíssimo passo da aula-conferência proferida por Bento XVI na universidade de que fora Vice-Reitor.
Claro que a minha reacção teve de ser, que me perdoem os bons profissionais dessa área de actividade:
- Superficialidade jornalística de jornalistas pouco atentos.
Como pode chamar-se tempestade num copo de água ao que em todos os continentes se disse e se fez contra a liberdade de expressão, que neste caso nem sequer se utilizara para ofender, contrariamente ao que aconteceu, ainda há menos de um ano, noutras instâncias?
Só a ignorância ou a má fé, nesta Europa sem alma, vendida à ideologia alienante do economicismo e dos jogos geo-estratégicos, não deixou ver a quem precisava de manter a lucidez para defender valores inalienáveis da nossa cultura, que o que estava em jogo não era o diálogo inter-religioso, mas a convivência entre os povos, a tolerância, a verdadeira liberdade, que se afunda sempre que a razão não aceita a iluminação da fé, e esta se nega a si mesma, abandonado os ditames da recta razão.
Afinal, o ex-Professor de Ratisbona, sem renunciar à sua condição de bispo de Roma e como tal cabeça da Igreja Universal, quis simplesmente alertar a universidade europeia para a necessidade de restituir à Teologia o lugar que lhe pertence no seio da comunidade científica, de restaurar o diálogo entre a fé e a razão, sem o qual surge necessariamente a violência.
Mas a Europa dos intelectuais não entende ou não quer entender a mensagem do Papa; manipula o seu discurso e, com a colaboração de alguns muçulmanos radicais, feridos de anti-ocidentalismo, agita contra ele o mundo islâmico.
Felizmente que Bento XVI, fazendo jus à inteligência de que o dotou a natureza e ao sentido pastoral que lhe vem de Deus, acabou repetindo aos crentes de Maomé a doutrina que, afinal, eles parecem ter percebido melhor do que os cristãos da Europa.
Tempestade num copo de água?
Claro que não.
Foi, antes, momento privilegiado de fidelidade da Igreja à sua missão, que, por isto ou por aquilo, não acontece sem mártires.

sábado, setembro 16, 2006

QUESTÕES DE CONSCIÊNCIA


Não é preciso ser muito versado na história dos povos e das ideias que regem o seu modo de estar no concerto das nações, para perceber que uma cultura, que é o que dá a cada povo a respectiva identidade, só se altera de um momento para o outro, quando intervém a violência e consequente destruição desse povo.
Não é preciso ser muito versado em história; mas é um facto que, sobretudo nas últimas décadas, no Ocidente (Europa e América do norte), os políticos e grande parte dos homens de cultura, não só quando se trata de julgar as nações que não comungam da mesma tradição cultural, mas também no modo de encarar internamente certos valores.
Marcados pela dinâmica da recusa, pensam e agem ainda de forma maniqueia: tomam sistematicamente palavras como liberdade, laicidade (repare-se que não digo laicismo), pluralismo, tolerância, etc., em sentido polémico; ou seja, utilizam-nas quase sempre como arma para atacar quem não pensa como eles.
Não é, pois de admirar que os partidos políticos, mesmo aqueles que se apoiam em ideologias laicistas e ateias, numa incoerência formal de que se envergonhariam se reflectissem um pouco, façam muitas vezes apelo à consciência dos cidadãos.
Inclusivamente para lhes pedirem que, segundo ois ditames da própria consciência, lhes forneçam um quadro jurídico para legislarem, não segundo a consciência dos cidadãos, mas segundo a própria ideologia.
É o que se passa, por exemplo, com questões como o aborto, que eles afirmam a sete pés ser uma questão de consciência, mas sobre a qual querem legislar como se de matéria anódina se tratasse.
Se é um problema de consciência, que não pode ser resolvido senão no foro da consciência, como pode um órgão legislativo pedir aos cidadãos um parecer através do voto, que, além de ser condicionado pela consciência, acabará sempre por provocar a manipulação das consciências?
Não estou a tomar posição nem a dar indicações de voto, embora tenha toda a legitimidade para o fazer, o que, segundo penso, nesta matéria, não é o caso dos partidos e organizações políticas.
Estou só a lamentar, como cidadão europeu do século XXI, que as nossas democracias estejam ainda tão longe da maturidade que, como espero, levará um dia os detentores do poder político a não se ocuparem senão da promoção do bem comum, que é o espaço humano em que cada pessoa pode ser cada vez mais pessoa.
Respeitando as minorias claro; mas nunca transformando as maiorias em minorias marginalizadas.

domingo, setembro 10, 2006

A TRAGÉDIA DE NATASCHA


A meio da tarde, um pouco para matar o tempo e também para respirar ar fresco, deambulo pelo claustro de D. Pedro de Castilho, um espaço agradável, onde o belo casamento do antigo com o moderno pode servir-nos de símbolo e sugestão.
De repente, qual bando de avezinhas soltas para voarem livremente num espaço que lhes sabem destinado, correndo, gritando, quase guinchando, irrompem no pátio as crinças do ATL.
Fico por momentos a contemplar o espectáculo, a deixar-me penetrar da alegria, da vida esfusiante que jorra por todos os cantos.
Depois, quando retomo os textos litúrgicos para continuar a minha oração, que não costuma ser incomodada pelo chilreio das crianças, assalta-me a lembrança da tagédia de Natascha... Pobre Natascha Campusch, a quem roubaram a segunda infância, a adolescência... e agora está ameaçada de perder a juventude!
Já se começara em casa, com a família a desmoronar-se, a perder aceleradamente os espaços necessários a um desenvolvimento adequado do ser pessoal.
Agora é a venalidade da comunicação social, ao seviço da necrofilia de uma cultura sem valores, num mundo que a ironia da história enche de máscaras para que os tabus contunuem a alienar pessoas e grupos.
Será mesmo um mundo cão, este em que vivemos?
Nunca se falou tanto de respeito pelos direitos da pessoa... em nome da dignidade e do respeito pelo homem, dizem os promotores de medidas contra o terrorismo, ainda antes de chegarem a acordo sobre o que é o terrorismo...
Esmaga-se a pessoa no que tem de mais sagrado, com a agravante de se cultivar permanentemente a desresponsabilização:
Ninguém duvida de que uma entrevista como a que divulgou a televisão austríaca, e que, segundo os especialistas, pode desenvolver uma dinâmica de vedetismo com graves consequências para a necessária integração de Natascha num quadro de normalidade humana, é fruto da desenfreada busca de audiências. E por toda a parte se verificou a corrida para diante do ecrã, cada qual a braços com a respectiva curiosidade, mas ninguém pensando na desumanidade em que estava a colaborar.
O crime não é menor pelo facto de se anunciar hipocritamente que as receitas da exclusividade da referida entrevista se destinam à criação de uma bolsa, etc., etc...
Se esmago alguém, directa ou indirectamente, será que sou menos criminoso pelo facto de não guardar para mim os lucros de tal crime?
Como não sentir uma profunda inquietação num mundo assim perdido?