peço a palavra

terça-feira, outubro 23, 2007

PARA RECOMEÇAR

Cosmética e democracia

Foi uma corrida desenfreada de todos: uns para ver se conseguiam o que os grandes, com muito mais experiência não haviam conseguido, outros procuarando conciliar dois medos – o de não chegar a tempo e o de serem devorados pelos companheiros que ofereciam apoio, e estes medindo os passos para não perderem a oportuniadde de comer o mais possível.
E o povo?
Ah, o povo ficou a ver. Depois pediram-lhe que ouvise os discursos, os auto-elogios, que só não provocam vómitos porque já estamos habtuados.
Portugal, de cócoras diante dos grandes, fica contente porque aquela colossal cosmética ficará a chamar-se Tratado de Lisboa!
E mudaram-lhe o nome para se não sentirem obrigados a pedir a ratificação pela via do referendo.
Muito inteligente, sim, senhor.
Mas não me venham falar de democracia. Se nem sequer nos explicaram em que é que realmente o Tratado de Lisboa fica melhor do que o tristemente célebre Tratado Constitucional, rejeitado pelos povos políticamente mais cultos da Europa...
Decididamente, esta não é de modo nenhum a Europa de Schumann, Adenauer, De gasperi, etc.

sábado, outubro 06, 2007

IGNORÂNCIA E MÁ FÉ

Os equívocos de Fernada Câncio

2. Falando ainda um pouco da minha experiência pessoal, faço questão de informar que nunca fui capelão nem docente em nenhuma estrutura do Estado, pelo que não posso avaliar a justeza de certas acusações, umas expressas, outras insinuadas, nem quanto a salários, nem quanto a abusos de poder.
O que não posso é deixar de afirmar o que sistematicamente esquecem os defensores do estado laico: a assistência religiosa “nas estruturas ditas de segregação”, para empregarmos a linguagem da nossa articulista, não é um privilégio da Igreja, mas um direito dos cidadãos. Direito ao qual a Igreja estará atenta, mesmo que o Estado não cumpra o seu dever. Aliás, recordo-me muito bem de sacerdotes e leigos que, durante décadas, se dedicaram a esse serviço, mesmo depois da concordata de 1940, sem a menor retribuição por parte do Estado.
Depois, corrigindo uma situação injusta – porque correspondia a uma discriminação em relação aos crentes, que pagavam os impostos como os outros e eram privados de algo essencial à sua existência histórica – veio a regulamentação legal desse serviço.
Se há irregularidades nesse campo, compete ao Estado, não castigar os cidadãos ao serviço dos qais estão esses capelães e docentes, mas repondo a legaliadde onde porventura ela é ofendida.

3. Fernanda Câncio acena também com a bandeira do monopólio da Igreja Católica e esmera-se em descrever a abnegação dos ministros dos outros grupos religiosos, “que funcionam em regime de voluntariado e mediante autorização caso a caso, não existindo qualquer regulamentação que lhes garanta o acesso ou as condições em que é facultado.Estão dependentes dos humores dos porteiros, das direcções e até dos capelães, e não raro são impedidos de entrar.
Há nestas palavras da jornalista todo um mundo de acusações abstractas e insinuações típicas de um discurso delatório que não se assume como tal. Em qualquer dos casos, que eu saiba, a Igreja nunca pediu nenhum monopólio, nem neste nem noutro campo; e as deficiências apontadas são da inteira responsabilidade do Governo, que, mais uma vez, ignora por completo as regras de funcionamento da democracia num estado pluralista, não confessional.

4. Digo não confessional, ainda que toda agente fale de estado laico: assim se fixou na Constituição, e o termo é usado mesmo pelos que seria injusto classificar de jacobinos.
Mas acontece que um estado laico é tudo menos um estado democrático: já que não existe democracia onde se ignora por completo aquilo que, quer se queira quer não, está na raiz dos comportamentos e tem uma importância capital na vida de larguíssima maioria dos cidadãos.
O estado laico é o mais confessional dos estados, pois, mesmo quando aparentemente não persegue a religião, é dominado pela ideologia anti-religiosa e, em nome da laicidade, comete muitas vezes os maiores crimes contra a humanidade.
Não cito exemplos dos dois últimos séculos para me não alongar. É como as teocracias: as piores que conheceu a história foram as dos regimes ateus.
Mas, pessoalmente, gostaria de fazer justiça aos deputados e á maioria das pessoas responsáveis pela consagração da palavra laico no nosso texto fundamental, admitindo que o que estava na sua mente era afirmar que Portugal era um estado não confessional; isto é, que não privilegiava nenhuma confissão religiosa, como confissão religiosa.
Qualquer pessoa vê a diferença; direi apenas que o não privilegiar está muito longe do não apoiar e ainda mais do dificultar.

5. Só mais uma palavrinha sobre monopólios: Fernado Câncio parece estar muito preocupada com os da Igreja Católica. Teria razão se de facto existissem: eu também não concordo com eles.
Mas é uma pena que quem luta tanto por um estado democrático, moderno e pluralista, não se dê conta dos monopólios do Estado, em todos os sectores da vida portuguesa. Que não tenha uma palavra para os seus amigos do Governo, para que acabem com a política sistemática de estrangulamento da iniciativa privada, atropelando sem nenhuma espécie de pudor, os direitos dos cidadãos a escolherem livremente a sua escola, o seu médico, o seu hospital e, pasme-se... ultimamente, até a forma do seu casamento!
É uma pena que os talentos dos nossos jornalistas estejam a ser tão mal aproveitados!

sexta-feira, outubro 05, 2007

IGNORÂNCIA E MÁ FÉ

SÃO EXACTAMENTE 193 CAPELÃES A MAIS

Há 123 capelães católicos integrados nos quadros do Ministério da Saúde, com salários que variam entre 986 e 1474 e pelo menos mais 70 sacerdotes da mesma confissão com vínculo contratual com o Estado,no Ministério da Defesa (onde existe até um bispo das Forças Armadas, com patente de major-general, nomeado pelo papa e só por ele podendo ser exonerado),da Justiça(nas prisões) e da Administração Interna(a celebrar missa na PSP e na GNR).
A existência destas ditas capelanias é ancorada legalmente em diplomas governamentais dos anos oitenta.Estes diplomas-que vários juristas consideram ferir o princípio da separação entre Estado e confissões religiosas consagrado na Constituição de 1976-invocam a Concordata de 1940 celebrada entre Salazar e o Vaticano, entretanto revogada por um novo acordo, assinado em 2004.Este estabelece apenas a necessidade de o Estado prover à assistência religiosa nas estruturas ditas de segregação, enquanto a lei da liberdade religiosa, de 2001, consagra a igualdade para todas as confissões em termos de assistência religiosa neste tipo de estruturas.Ainda assim a situação das capelanias permanece,em 2007, exactamente como era há vinte anos(e antes). Só os crentes católicos têm direito a assistência religiosa permanente e só os sacerdotes católicos gozam de acesso directo e universal-ou seja,a todos os internados, a qualquer hora, seja qual for o clube espiritual-e são pagos por esse serviço.Os religiosos de outros cultos(apetece dizer “não oficiais”)funcionam em regime de voluntariado e mediante autorização caso a caso, não existindo qualquer regulamentação que lhes garanta o acesso ou as condições em que é facultado.Estão dependentes dos humores dos porteiros, das direcções e até dos capelães, e não raro são impedidos de entrar.
Há dois anos,o actual Governo anunciou a sua intenção de rever a situação e a constituição de um grupo interministerial, do qual nunca mais houve notícia.Sabe-se há meses que o Ministério da Saúde anda a preparar um diploma próprio, do qual não existirá ainda versão definitiva.Do que dele transpirou, exige que os pacientes à entrada do internamento registem a sua vontade de ter ou não assistência religiosa,restringindo o contacto dos ministros das várias confissões aos que o solicitaram.Uma regra que,parece,não agrada à Igreja Católica,que chama “ridícula”, “inaceitável” e “inconcebível” a proposta.É compreensível.É aliás bom sinal.Quem tem monopólio detesta perdê-lo.O que de certo não se poderá compreender é que,em 2007,um governo socialista de um Estado constitucionalmente laico não faça o que tem a fazer-e que há muito já devia ter sido feito.

Este texto chegou-me às mãos três dias depois de ter sido publicado. De facto, há muito que deixei de ler os jornais, e o artigo da ilustre jornalista – não faço ironia, porque, trata-se de alguém laureado por trabalhos jornalísticos seus e que profissionalmente tem a categoria de grande repórter – o seu artigo é um bom exemplo daquilo que me afasta cada vez mais da grande comunicação social.
A primeira decisão foi de nem sequer o ler, influenciado pelo título e as palavras em caixa.
Acabei depois transcrevendo o escrito de Fernanda Câncio. Claro, também por uma questão de ética, que infelizmente não abunda nos nossos jornais: é que assim, os meus visitantes podem confrontar o meu comentário com o seu objecto.
Para que o meu post não fique demasiado extenso, por hoje limitar-me-ei a uma introdução que me parece oportuno antepor ao comentário propriamente dito, que virá a seguir.

1. Gostaria de informar Fernada Câncio e os que pensam como ela, se porventura me lerem, que sou padre católico vai para quarenta e sete anos e até hoje não senti qualquer apoio, nem social, nem económico, nem financeiro, no exercíco do meu ministério, que não fosse o normal num Estado respeitador dos valores religiosos dos cidadãos. Posso até dizer que, na minha juventude, pude verificar que em Portugal era vítima de discriminações que não existiam noutros países da Europa.
Quanto a esse fantasma da Concordata Salazar/Vaticano, ao contrário do que diz Fernanda Câncio, não foi revogada, senão na mente de alguns funcionários que, desrespeitando uma das determinações mais importantes do último acordo, se puseram a interpretar e a aplicar um texto que só terá força de lei quando devidamente regulamentado.
Mas deixemo-nos de concordatas, que, pelo menos no que diz respeito a Portugal, de D. Dinis a Sampaio (nomeio os chefes de Estado ao tempo da assinatura da mais antiga e da mais recente, porque pelo meio houve outras, sempre denunciadas unilateralmente, se exceptuarmos a de 1940, pelo Estado), foram todas da iniciativa do poder político, naturalmente na esperança de obter vantagens relativamenet à influência da Igreja sob as populações.
É por isso que sou contra as concordatas, que me parecem inúteis num regime verdadeiramente democrático.
Já que falamos de capelanias, todos os países da Europa ocidental, mesmo sem sombra de concordata, as têm, nos hospitais, nas prisões, nas forças armadas e nas escolas (no caso dos países onde não se ministra a disciplina de Religião e Moral). E acrescente-se que, na maior parte dos casos, estas capelanias funcionam a expensas do Estado.
Da concordata de 1940, a única vantagem que tirei, foi a de requisitar todos anos, até à ordenação sacerdotal, o adiamento de incorporação, como, aliás, fazia qualquer estudante.
Depois de ordenado, já com licenciatura em Teologia, fiz o “juramento de bandeira” , com todas as restrições mentais que me pareceram necessárias e legítimas. Deram-me depois a “caderneta”, segunda classe de comportamento e 8º ano do Seminário, como habilitações literárias. Ficando obrigado ao pagamento da taxa militar até aos 45 anos, período em que não podia deslocar-me ao estrangeiro sem a licença dos serviços militares competentes.
Basta de aflar de mim!
Até ao próximo post.