peço a palavra

sábado, outubro 21, 2006

PERGUNTAR NÃO OFENDE


Já que os deputados que dizem interessar-se pela dignidade da pessoa humana não querem fazer leis que defendam a vida e promovam essa dignidade, peço licença para fazer a todos, a esses e aos outros, algumas perguntas pertinentes.
Bem, pertinentes creio eu, sobretudo agora, que acabam de fazer-nos uma pergunta para respondermos daqui a meses… depois de eles se mobilizarem a dizer-nos como devemos responder, “em consciência”, dizem.
Não tenho muita esperança de que me esclareçam, mas são dúvidas reais, que a manterem-se impedirão o voto que nos pedem no referendo sobre o aborto, consciente e em consciência.
Aí vão elas:
Fala-se de “interrupção voluntária da gravidez”:
Primeira pergunta, que pode parecer absurda, mas não é.
Todos sabemos que em bom português, só pode ser interrompido um processo que tem hipóteses de ser retomado e continuado; caso contrário, não se fala de interrupção, mas de liquidação do processo.
Será que a gravidez é um processo passível de interrupção?
A pergunta parece absurda, porque tratando-se de um processo vital, uma vez iniciado, ou se deixa seguir o dinamismo que lhe é próprio, ou pura e simplesmente se destrói. Ou seja: o ser gerado, ou o deixamos viver, ou o matamos; não há outra hipótese. Se não queremos empregar a palavra morte, que seria a mais exacta, nem aborto, que é, já de si um eufemismo, mas que se aplica a todos os seres vivos mortos antes de nascer, invente-se outra, mas que não engane os cidadãos.
Segunda pergunta:
Será que todos os casos de aborto provocado provêm de uma decisão verdadeiramente livre da mulher? Qual mulher? A mãe ou outra?
Todos sabemos que por cada aborto que se realiza, clandestinamente ou não, as cumplicidades são tantas, que qualquer de nós teria grande dificuldade em tomar uma decisão verdadeiramente livre. Será que os abortistas garantiram já, para regulamentação da lei os serviços necessários para ajudar a mulher grávida, inclusivamente a desistir do aborto, caso venha a verificar que essa é a melhor decisão?
E não nos esqueçamos de que não se pode chamar livre a decisão que se toma ignorando todas consequências dessa mesma decisão.
Perguntam-me se estou de acordo com o aborto, qualquer que seja a sua motivação, desde que pedido pela mulher grávida, dentro das dez primeiras semanas:
Pergunto, com toda a legitimidade, porque querem fazer cair sobre mim a responsabilidade moral da decisão:
Porquê dez semanas e não vinte, ou mais? Qual é o critério da opção?
Se eu considero o aborto a destruição de uma vida que, iniciando-se no ventre de uma mulher, não pode ser senão humana, quais são os meios postos à minha disposição para que o meu dinheiro de contribuinte que paga honestamente os seus impostos não seja gasto nesse acto que a minha consciência rejeita?
Só mais uma pergunta da minha consciência atormentada:
Está provado que em todos em países que, com referendo ou sem ele, se liberalizou o aborto, o chamado aborto clandestino, com todas as consequências que, segundo os abortistas portugueses, se pretendem eliminar, não só não diminuiu, como subiu em flecha. E só quem quer ser cego é que não vê porquê.
Como é que em Portugal isso se vai evitar?
Querem que eu vote em consciência? Por favor, ajudem-me a esclarecê-la!

quarta-feira, outubro 18, 2006

CRUZADAS E GUERRA SANTA




Quem não distingue confunde; e como a confusão é o pior inimigo da verdade, quem não distingue corre pelo menos o risco de ser mentiroso.
Este princípio aplica-se a todas as realidades da vida humana: primeiro porque tudo no homem pode ter várias leituras; segundo porque, dependentes como somos do tempo e do espaço, a deslocação de qualquer coordenada, por reduzida que seja, altera o significado dos nossos gestos.
Bastaria a lembrança destas realidades para termos muito cuidado quando nos sentimos tentados a comparar factos separados entre si, não apenas por milhares de queilómetros, mas ainda por muitos séculos de distância.
Nos últimos meses, por razões que não abonam muito a favor da nossa maturidade cultural, apareceu em várias instâncias a tentativa de pôr no mesmo plano as Cruzadas da Iadde Média e a actual Jihad, ou Guerra Santa islâmica.

Antes de prosseguir, gostaria de exprimir a minha recusa a aceitar a legitimidade da guerra, seja ela de que tipo for; aliás, já passarm algumas dezenas de anos que um canonista muito conhecido e insuspeito – sempre foi tido como extremamente conservador – dizia e escrevia que actualmente não é possível justificar, nem sequer a guerra defensiva.

Voltando ao nosso tema:
Em meu entender, bastaria a distância do tempo a que nos encontramos, para se tornar evidente que não falamos da mesma coisa.
Mas a diferença não é criada apenas pelas coordenadas do tempo:
Situemo-nos na Idade Média, mais precisamente nos finais do século XI, pontificado de Urbano II, que, em Clermont-Ferrand, numa hábil conjugação de pressões e interesses, entre os quais se encontravam os dos muçulmanos da Palestina, perseguidos como os cristãos pelos turcos seljúcidas, mobiliza os príncipes cristãos da Europa para uma campanha que culmina na conquista – eles chamaram-lhe libertação – de Jerusalém.
Comecemos por reparar nisto: O cristianismo, que, mesmo assim, não se mobiliza senão na Europa, conta quase mil anos, na altura desta primeira “guerra santa”... chamamos-lhe assim, por comodidade.
Ora, os muçulmanos – agora todos, não apenas os turcos – viviam em guerra santa desde Maomé.
Toda a sua expansão, a partir dos inícios do século VII, se faz em nome de Deus, contra a “impiedade”... desde a Arábia até à Gália (Poitiers, 750).
Jihad Islâmica, neste periodo, era sinónimo de conquista, de guerra aos outros, os “ímpios”, que eram todos os que não aceitavam a fé islâmica.
As Cruzadas, nas quais podemos incluir a luta dos príncipes cristãos pela reconquista da Península Ibérica, constituíam, ao contrário, pelo menos na mente dos seus promotores, uma guerra de libertação.

segunda-feira, outubro 16, 2006

A INTELIGÊNCIAD DOS BURROS


Chamaram-me burro de carga.
Confesso que não gostei; tive até um movimento interior de revolta que sustive a custo, sobretudo porque me sentia rebaixado com tal metáfora.
Depois, pensando melhor, achei que ficava muito aquém desse animal, teimoso, forte, leal ao dono, apesar dos maus tratos, aguentando intempéries e caminhos tortuosos, com gestos de revolta, raros, e algum humor – pode um burro ter sentido de humor?- pelo meio.
Por isso não resisto à tentação de recontar a história que ouvi há muitos anos, acrescentando à versão original apenas dois ou três pormenores que essa versão permite imaginar.

Era uma vez um homem que tinha um burro...
Não. Era uma vez um burro irrequieto que pertencia a um homem rico, mas distraído. Tão distraído que não se deu conta da enorme armadilha que constituía para o seu burro irrequieto o poço largo e fundo, sem tampa nem água, felizmente que sem água, do arneiro onde o animal iludia a fome com ervas secas e alguns pinotes: pinotes de burro, claro, porque de imitações estava o animal farto.
E aconteceu que, num destes pinotes, sem quê nem para quê, o bichinho irrequieto, só não deu com os focinhos no fundo porque, graças ao diâmetro do poço, ele pôde, não se sabe bem como, talvez utilizando o contra-peso das orelhas, puxadas sobre o dorso, erguer a cabeça desorientada.
Mas não conseguiu evitar a tragédia de chegar lá abaixo e se sentir encurralado, sem nenhuma hipótese de libertação.
É claro que o burro não conhecia a linguagem adequada aos pedidos de socorro a donos distraídos como era o seu.
Foi pelo instinto. E o instinto era zurrar, zurrar... até que alguém fosse ver o que se passava.
Aparecu o dono; mas só porque aquele zurrar desesperado o incomodava.
Por isso tratou de fazer calar o animal. E, já que não lhe parecia economicamente viável tirá-lo do fundo do poço, decidiu enterrá-lo. Assim, dizia para consigo, com um pau mato dois coelhos: cala-se o burro e esconde-se poço.
A operação de transportar terra para o buraco começou rápida, porque o burro não parava de zurrar. Veio terra, muita terra... À medida que as pazadas caíam no fundo do poço, fazia-se menos premente o zurro do animal.
Até que ficou tudo em silêncio, e o dono, felicitando-se pela excelente ideia que tivera, correu a ver se ainda faltava muito para encher o buraco.
Qual não foi o seu espanto quando se deu conta de que o burro, o seu burro irrequieto, o mirava com os olhos enormes e, sacudindo a terra das orelhas, também enormes, saltava para foa do poço e corria, aos coices e aos guinchos, arneiro abaxo.
Chegaste para mim – disse o proprietário, mirando o fracasso parcial da operação. Devia ter atirado uns pedregulhos primeiro, para tu morreres debaixo deles.
Inteligência de burro ou ineficácia patronal?
Pensando bem, hoje seria mais difícil a um burro que zurrasse no fundo do poço salvar-se como se salvou o burro irrequieto do nosso proprietário distraido.

sábado, outubro 14, 2006

CORRECÇÃO POLÍTICA OU COBARDIA GERAL?

Falar contra a violência em nome da religião, quem com mais autoridade do que o Papa?
E Bento XVI, escolhendo um contexto que, além de não ser especificamente religioso, era o mais adequado, do ponto de vista científico, teve a coragem de afirmar claramente que a violência religiosa só pode ser fruto de uma imagem errada de Deus.
Donde a necessidade do diálogo entre a fé e a razão, bem como o dever de a Universidade recriar o ambiente em que ambas, em permanente e fecunda tensão, produziram a enorme riqueza do pensamento ocidental.
E não se trata de defender este pensamento contra outro qualquer: trata-se de dizer com clareza o que é preciso fazer para salvar valores que, como a liberdade, a paz e a tolerância, todos consideramos universais.
Sejamos sinceros: O Papa não fez mais do que utilizar um discurso académico para dizer o que anda na mente dos políticos ocidentais – e até alguns orientais, digamos mesmo muçulmanos – mas que não dizem por falta de coragem.
Pessoa insuspeita, mas inteligente, escreveu já que Bento XVI, com o seu discurso de Ratisbona, prestou à Europa e ao Islamismo o melhor serviço que lhe podia ter prestado.
O trágico, no meio disto tudo, é que os políticos de uma e de outra banda são todos oportunistas e, como tais, sacrificam sempre a verdade ao pliticamente correcto.
E os mesmos que, há uns meses, em nome da liberdade de expressão, se apressaram em defender certos agressores - que, esses sim, ofenderam realmente a fé muçulmana -, agora, ou se calaram, que foi o que fez a maioria, ou falaram fora de tempo, quando já não se corria qualquer risco na defesa da verdade.
É evidente que as consequências desta cobardia colectiva não poderão ser boas.
E já temos alguns alertas bem significativos, como é o caso daquele professor de filosfia de Toulouse, quase em prisão domiciliária, pelas ameças de morte que recebeu, devido a um artigo de opinião que publicou num dos mais pestigiados jornais franceses.
E que dizer da vergonhosa censura interna de que acaba de ser vítima Mozar na própria Alemanha?