peço a palavra

sábado, maio 17, 2008

INÚTIL E ESTÚPIDO

TRISTEZA E MÁGOA

Quem me conhece sabe muito bem que não posso concordar com grande parte das posições assumidas por Vasco Pulido Valente, que, em meu entender tem da história uma visão diferente da minha.
É por isso que me dá particular prazer citá-lo a propósito do triste acordo ortográfico que acaba de ser aprovado pela Assembleia da República:
Tirando alguns pormenores das explicações que dá a respeito das escritas (porque não há uma só escrita) do inglês, gostei da clareza com que falou das tais “virtudes” do malfadado acordo: inútil (porque ineficaz) e estúpido.
Totalmente de acordo.
Mas não posso deixar de exprimir a profunda mágoa que me assaltou perante o espectáculo de um parlamento que, mais uma vez, mostra estar a milhas do que verdadeiramente interessa para salvar a identidade de um povo.
Assim não se vai a lado nenhum.
Há dias, uns meus amigos brasileiros, que gostam de Portugal e do Brasil (digo que gostam, porque tenho certo pudor de empregar a palavra amam), dizim-me, com certa tristeza: mas para que foram eles mexer nisso? Estava tudo tão bem assim...
E estava.
Confesso que não percebo um parlamento que, com problemas tão sérios para resolver, se ocupa de um assunto que não inquietou ainda nenhum outro parlamento desta Europa, com países muito mais cultos do que o nosso.
Nos últimos anos do fascismo, a então chamada Assembleia Nacional passou algumas sessões a discutir a ironicamente designada por “lei do isqueiro”.
Para que a sessão onde se discutiu e aprovou o acordo ortográfico não venha a revelar-se um ridículo prejudicial à Nação, é necessário que se cumpra a profecia de Vasco Pulido Valente: que será inútil.

domingo, maio 04, 2008

VOLTANDO À CARGA




Homossexualidade, homofobia e o veneno agressivo das palavras

Volto ao assunto, não por causa dele, mas para fazer coro com um protesto há pouco lançado ao mundo culto e menos culto (finalmente!), mas que me anda na mente desde os meus tempos de estudante, quando lia emocionado a grande lírica grega, no seio da qual se destaca uma mulher cujo génio merecia destino mais lisongeiro na nossa cultura.
Os habitantes da lindíssima ilha de Lesbos – naquele mar Egeu onde se situam tantas reminiscências do nosso passado cultural – levantam finalmente a voz contra o hábito, mais preconceituoso do que científico, de chamar lésbicas às homossexuais: como se a homossexualidade feminina fosse uma característica das naturais daquela ilha.
Claro. Embora a maior parte das pessoas que usa este termo o não saiba, essa designação nasceu do facto de certos estudiosos considerarem homossexual Safo, que viveu na capital daquela ilha – Mitilene – onde tinha uma escola de dança, e dedicou grande parte dos seus poemas a cantar a beleza fascinante das alunas.
Esta classificação da primeira grande figura feminina da poesia lírica ocidental não se fundamenta noutra documentação, para além do que nos resta dos seus belíssimos poemas.
Como leitor de poesia, não me interessa muito saber qual a orietação sexual do poeta; mas acho tão errado – para não dizer injusto – adoptar o nome da pátria de Safo como designativo da homossexualidade feminina, como acharia totalmente disparatado ir, por exemplo, buscar um termo à Academia – a escola onde Platão, pela boca de Sócrates, fala da beleza física dos jovens que o rodeiam – para designar a homossexualidade masculina.
E, já agora, aproveito para pedir aos homessexuais – eles e elas (dingos do meu respeito como qualquer outro ser humano) – que sejam coerentes, também na linguagem: não procurem eufemismos, onde eles próprios afirmam não haver lugar para eles.
E deixem de agredir os que não seguem a sua orientação sexual: de facto vai-se tornando comum o termo de homófobo, para designar os/as heterossexuais. Como se a heterossexualidade fosse uma doença. Esse é, pelo menos, o signifiacdo do termo fobia.

sexta-feira, maio 02, 2008

Balada das Ruas Desertas


Ainda muito combalido pelas mazelas do físico, gasto pelos anos e cada vez mais refractário aos vôos do espírito, quebro o silêncio para oferecer aos visitantes deste blogue uma página do meu diário, agora do primeiro ed Maio
Pela encosta do castelo, no sentido oposto ao que seguem os magotes de jovens subindo para as aulas da manhã, conduzo o carro esutando a Fantástica de Berlioz: tem para mim especial encanto este poema musical, que, segundo alguns historiadores, seria uma composição-desabafo, um lamento do próprio artista, ferido pela perda da amada.
Não costumo distrair-me com os aspectos autobiográficos das obras de arte: porque se elas, por si próprias, não despertam em mim uma real emoção estética, perdem o interesse com que desde muito jovem, aprendi a abordá-las... e na homenagem a quem me iniciou nesse caminho, ergue-se a lembrança da cidade que conheci nos últimos anos da década de quarenta. Já lá vão quase sessenta!
Era uma cidade muito mais pequena, pouco maior que a minha aldeia; mas tinha um encanto que não consigo encontrar-lhe hoje; algumas ruas continuam tão tortas como então, mas estão mais desumanizadas: desertas em dias de festa e intransitáveis em dias de trabalho.
Creio que isto acontece com todas as cidades deste velho mundo, que teima em arruinar-se, pulando para trás, com a ilusão de que progride, que avança cortando amarras inibidoras, quando, de facto, o que está a fazer é cortar as raízes por onde subiu o sumo que fez a sua grandeza e dá sentido aos poucos valores de que ainda pode considerar-se paladino.
Acontece certamente com todas as cidades – estranguladas pela tirania da competição, em tempo de trabalho, e moribundas pelo horror à vida, em tempo de festa – mas torna-se mais agressivo numa cidade como Leiria, pelo menos para quem a conheceu ainda pequenina, namorada das águas do Lis, que nessa altura não eram vítimas da poluição que se lhes conhece hoje.
Por isso e apesar das vantagens que lhe encontro ao volante do carro, me atormenta esta desertificação festiva da minha cidade.