A TRAGÉDIA DE NATASCHA
A meio da tarde, um pouco para matar o tempo e também para respirar ar fresco, deambulo pelo claustro de D. Pedro de Castilho, um espaço agradável, onde o belo casamento do antigo com o moderno pode servir-nos de símbolo e sugestão.
De repente, qual bando de avezinhas soltas para voarem livremente num espaço que lhes sabem destinado, correndo, gritando, quase guinchando, irrompem no pátio as crinças do ATL.
Fico por momentos a contemplar o espectáculo, a deixar-me penetrar da alegria, da vida esfusiante que jorra por todos os cantos.
Depois, quando retomo os textos litúrgicos para continuar a minha oração, que não costuma ser incomodada pelo chilreio das crianças, assalta-me a lembrança da tagédia de Natascha... Pobre Natascha Campusch, a quem roubaram a segunda infância, a adolescência... e agora está ameaçada de perder a juventude!
Já se começara em casa, com a família a desmoronar-se, a perder aceleradamente os espaços necessários a um desenvolvimento adequado do ser pessoal.
Agora é a venalidade da comunicação social, ao seviço da necrofilia de uma cultura sem valores, num mundo que a ironia da história enche de máscaras para que os tabus contunuem a alienar pessoas e grupos.
Será mesmo um mundo cão, este em que vivemos?
Nunca se falou tanto de respeito pelos direitos da pessoa... em nome da dignidade e do respeito pelo homem, dizem os promotores de medidas contra o terrorismo, ainda antes de chegarem a acordo sobre o que é o terrorismo...
Esmaga-se a pessoa no que tem de mais sagrado, com a agravante de se cultivar permanentemente a desresponsabilização:
Ninguém duvida de que uma entrevista como a que divulgou a televisão austríaca, e que, segundo os especialistas, pode desenvolver uma dinâmica de vedetismo com graves consequências para a necessária integração de Natascha num quadro de normalidade humana, é fruto da desenfreada busca de audiências. E por toda a parte se verificou a corrida para diante do ecrã, cada qual a braços com a respectiva curiosidade, mas ninguém pensando na desumanidade em que estava a colaborar.
O crime não é menor pelo facto de se anunciar hipocritamente que as receitas da exclusividade da referida entrevista se destinam à criação de uma bolsa, etc., etc...
Se esmago alguém, directa ou indirectamente, será que sou menos criminoso pelo facto de não guardar para mim os lucros de tal crime?
Como não sentir uma profunda inquietação num mundo assim perdido?
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