terça-feira, julho 31, 2007

PURIFICAÇÃO OU BRANQUEAMENTO?


Purificação ou branqueamento da memória?

Nos anos que precederam e seguiram imediatamente o Grande Jubileu do Ano 2000, falou-se muito, a torto e a direito de “purificação da memória”, à raiz de um texto do Papa João Paulo II, que, entre outras recomendações ad intra, para os católicos, dizia:

“A Porta Santa do Jubileu do 2000 deverá ser, simbolicamente, mais ampla do que nos jubileus precedentes, porque a humanidade, chegada àquela meta, deixará atrás de si não apenas um século, mas um milénio. Será bom que a Igreja entre por essa passagem com a consciência clara daquilo que viveu ao longo dos últimos dez séculos. Ela não pode transpor o limiar do novo milénio sem impelir os seus filhos a purificarem-se, pelo arrependimento, de erros, infidelidades, incoerências, retardamentos. Reconhecer as cedências de ontem é acto de lealdade e coragem que ajuda a reforçar a nossa fé, tornando-nos atentos e prontos para enfrentar as tentações e as dificuldades de hoje” (Tertio Millenio Adveniente, 33).

E foram muitos os gestos realizados pelo Papa, em ordem a realizar essa purificação da memória, que ele apresentava como um dos objectivos do Grande Jubileu.
Mas, tanto as características desses gestos, como as palavras acima citadas afirmam claramente que o que se pretende é que a Igreja entre no terceiro milénio “com a consciência clara daquilo que viveu ao longo dos últimos dez séculos” , pois “ela não pode transpor o limiar do novo milénio sem impelir os seus filhos a purificarem-se, pelo arrependimento, de erros, infidelidades, incoerências, retardamentos”.
Quer dizer: purificar a memória, não é apagar da memória, nem muito menos manipular os factos, ocultando o seu real significado, quando é negativo.
Isso seria, não purificar, mas branquear, que é o que a cada passo procuram fazer as ideologias, tentando sobreviver assim ao juízo severo da História.
A primeira década portuguesa deste terceiro milénio vai concluir-se com a recordação de uma data cuja importância corre o risco de ficar mais uma vez perdida na retórica dos discursos ideológicos – naturalmente uns a favor, outros contra – se não aceitamos o princípio de que as comemorações do passado só são úteis se nelas se realiza uma autêntica purificação da memória.
Isso exige grande lucidez, para se não confundir purificação com branqueamento.