sábado, janeiro 05, 2008

O PERIGO DAS ESTATÍSTICAS


Do Natal ao Ano Novo, aproveitando a companhia de um grupo de amigos que organizaram a sua vida de modo a passarem comigo esta quadra, foi um ver se te avias, visitando os lugares mais emblemáticos da Cidade Eterna... Designação que, ao contrário do que pensa muita gente, veio a Roma antes de a ela chegar o Príncipe dos Apóstolos, que, ao morrer nela como seu bispo, a transformou em “cabeça da Caridade”, segundo a belíssima expressão de Santo Inácio de Antioquia.
Não foi o primeiro Natal que tive a felicidade de passar em Roma; mas foi o primeiro em que cheguei a sentir-me cansado da multidão com que tropeçávamos a cada passo; em toda a parte, como se o mundo se tivesse deslocado para o centro da Cristandade.
Este facto tem muitas leituras possíveis, todas legítimas e nenhuma imune de crítica, porque, em meu entender, trata-se de um fenómeno quase puramente circunstancial, sem qualquer significado transcendente.
Falar de números e fazer estatísticas, neste caso, interessará sobretudo aos que exploram o turismo: às pessoas e instituições, da Igreja ou da sociedade civil, que vivem dos que, por um motivo ou por outro, demandam estas paragens, onde se contemplam marcas de mais de trinta séculos de história.
Isto faz-me pensar num dos principais vícios da pastoral do nosso mundo ocidental: ou seja, a teimosia com que se usa e abusa dos números para classificar trabalho que deve dirigir-se essencialmente às pessoas, sempre refractárias, precisamente na medida em que são pessoas, a enquadramentos formais, de produção em série.
No seu discurso aos bispos portugueses, por ocasião da visita Ad sacra limina Apostolorum, diz Bento XVI:
À vista da maré crescente de cristãos não praticantes nas vossas dioceses, talvez valha a pena verificardes «a eficácia dos percursos de iniciação actuais, para que o cristão seja ajudado, pela acção educativa das nossas comunidades, a amadurecer cada vez mais até chegar a assumir na sua vida uma orientação autenticamente eucarística, de tal modo que seja capaz de dar razão da própria esperança de maneira adequada ao nosso tempo» (Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis, 18).
Torna-se difícil explicar o pensamento do Papa sem que se esclareça devidamente a questão do praticante e do não praticante: certamente que não se trata de procurar encher de novo as igrejas, até porque a chamada prática dominical, ao longo da história do cristianismo europeu, tem passado por variadíssimas fases, de mais e de menos, que nos dizem claramente como foi errado centrar tantas vezes nela uma pastoral que se queria renovadora.
Se a minha análise tem alguma probabilidade de estar correcta, o que o Papa diz, no fundo, é que não nos devemos preocupar tanto com o encher as igrejas, como sobretudo de cuidar a formação das pessoas, procurando renovar, como ele diz, os percursos de iniciação actuais. O que talvez tenha como resultado imediato, não o aumento, mas a diminuição dos números que enchem as estatísticas, tão do agrado da comunicação social.
Sem querer chocar ninguém e tomando um pensamento que me vem de longe, acho que a diminuição da prática religiosa, pelo menos no modo habitual de entendê-la, não significa, só por si, aumento de cristãos não praticantes.