domingo, março 18, 2007

SEMEADORES DE TEMPESTADES.III



O fantasma do latim

Começo por aqui, porque foi a propósito disto que o tal jornalista da Antena 2 – já agora, não vale a pena estar a ser discreto em relação a quem, utilizando o seu estatuto de serviço público, procura fazer mal aos seus ouvintes – porque foi a propósito disto que o tal jornalista acusou o Papa de se opor frontalmente ao Vaticano II.

O que o Papa diz é o seguinte:
62. O que acabo de afirmar não deve, porém, ofuscar o valor destas grandes liturgias; penso neste momento, em particular, nas celebrações que se realizam durante encontros internacionais, cada vez mais frequentes hoje, e que devem justamente ser valorizadas. A fim de exprimir melhor a unidade e a universalidade da Igreja, quero recomendar o que foi sugerido pelo Sínodo dos Bispos, em sintonia com as directrizes do Concílio Vaticano II (182): exceptuando as leituras, a homilia e a oração dos fiéis, é bom que tais celebrações sejam em língua latina; sejam igualmente recitadas em latim as orações mais conhecidas (183) da tradição da Igreja e, eventualmente, entoadas algumas partes em canto gregoriano. A nível geral, peço que os futuros sacerdotes sejam preparados, desde o tempo do seminário, para compreender e celebrar a Santa Missa em latim, bem como para usar textos latinos e entoar o canto gregoriano; nem se transcure a possibilidade de formar os próprios fiéis para saberem, em latim, as orações mais comuns e cantarem, em gregoriano, determinadas partes da liturgia(184).
Bento XVI, como é fácil de verificar, apoia-se no Concílio, seguindo os padres sinodais, cujas Propositiones estão na base da Exortação.
Por isso é oportuno o comentário do Cardeal Ângelo Scola, que se transcreve de Zenit:
Zenit entrevistou o purpurado italiano, que foi o relator
geral do Sínodo da Eucaristia. Na exortação apostólica, publicada em
13 de Março, Bento XVI recolhe as conclusões daquela assembléia,
que se celebrou em Outubro de 2005, no Vaticano.

--ZENIT: V.sa Eminência não acha que há uma leve contradição na exortação pós-sinodal entre o impulso a um maior aprofundamento da acção litúrgica encaminhada a uma mais activa e frutífera participação dos fiéis, e o recurso, por outro lado, ao uso do latim nas celebrações internacionais ou a uma adequada valorização do canto gregoriano, pondo quase na sombra expressões mais próximas do sentir religioso das pessoas (penso, por exemplo, nas danças e nos cantos africanos nas celebrações eucarísticas)?

--Cardeal Scola: Deve-se entender a lógica que está implícita em toda a exortação. O Santo Padre pretende que se dêem todos os elementos concretos para que a Eucaristia seja a única Eucaristia-acção de Deus em Jesus Cristo, que abrange todos os fiéis, seja ela celebrada em Sidney, em Milão, em Buenos Aires ou em Kampala. Mas depois dá as indicações para que quem está no lugar proceda à encarnação desse único rito.
Pois bem, o facto de que haja um parágrafo muito importante sobre a inculturação e se diga que as conferências episcopais junto com os dicastérios encarregados sigam nesta obra, responde exactamente à sua pergunta.
Está claro que a tarefa de uma exortação pós-sinodal é a de centrar-se em tudo o que une, porque seria uma presunção se o Papa dissesse como deve ser a inculturação na África ou na Índia. O Santo Padre recomenda que os bispos que estão lá, em união com os dicastérios da Cúria Romana, façam isso. Na minha opinião, não se dá a contradição a que alude.